O SEGUINTE: tenta trazer para você semelhanças entre os impeachments da prefeita Rita Sanco (PT) e da presidente Dilma Rousseff (PT).
Rita foi cassada em 15 de outubro de 2011. Dilma teve autorizado pela Câmara dos Deputados o seu julgamento pelo Senado.
A análise traz elementos políticos, com foco maior nas coisas da aldeia.
Não vai se falar aqui em ideologias, roubalheiras, Lava Jato, Rede Globo, Pré-Sal ou interesses internacionais.
1.
A ‘LÓGICA DO POSTE’ E O ‘ESTELIONATO ELEITORAL’
Tanto Rita quanto Dilma foram eleitas deixando, pelo menos entre o meio político, a sensação da ‘lógica do poste’.
Dilma tinha uma carreira pública de secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, de ministra de Minas e Energia e Chefe da Casa Civil de Lula, mas voto na urna, nenhum.
Chegou à Presidência da República em 2010 na onda da popularidade de Lula, já um líder internacional, que aparecia tanto quanto ela nos programas eleitorais de TV.
Já Rita fora eleita vereadora por dois mandatos, a partir de 1996, mas em 2004 ficou na terceira suplência e só assumiu a Câmara por arranjos políticos que conduziram vereadores ao secretariado de Sérgio Stasinski – de quem chegou a ser líder do governo.
A eleição como prefeita em 2008 deu-se na última semana de campanha. Daniel Bordignon teve a candidatura impugnada e Rita, que era a vice, foi escolhida como substituta.
Cada um dos 68.553 eleitores que digitaram o 13 e apertaram o ‘confirma’ na tecla verde da urna, dando-lhe a maior votação da história de Gravataí, viram aparecer na tela a foto de Bordignon, à época popularíssimo e apelidado de ‘mito do Vale do Gravataí’.
Interesses, mentiras e machismo à parte, Dilma e Rita não conseguiram se livrar da fama de ‘postes’, uma de Lula, outra de Bordignon. Isso as enfraqueceu. E a expressão ‘estelionato eleitoral’ passou a ser usada para Rita pelo desconhecimento de parte do eleitorado de que era ela a prefeita e não Bordignon, e para Dilma, mesmo com os 54 milhões de votos de 2014, pela guinada de um discurso de campanha centrado na esperança e na manutenção de uma política de bem estar social, para medidas impopulares e uma crise de proporções gigantescas desde os primeiros dias do novo governo.
: Bordignon no 'Kindeovo' rodou a cidade na última semana apresentando Rita e o vice Cristiano Kingeski
2.
A DISTÂNCIA ENTRE CRIADORES E CRIATURAS
Tanto Lula quanto Bordignon assumiram tarde demais o papel de protetores das suas crias. Um e outro até pareciam alimentar certa distância para não deixar contaminar suas biografias com governos de ajuste fiscal e pouca articulação política.
De certo, é que as próprias mandatárias promoveram um afastamento de seus líderes, talvez para reforçar seus poderes de comando e livrarem-se um pouco da famigerada ‘lógica do poste’.
Quem não leu em algum momento – não só na Veja e na IstoÉ, mas também na Carta Capital ou na Piauí – que Lula e Dilma estavam distantes? Quem aqui na aldeia não leu no Correio de Gravataí ou no Jornal de Gravataí que Bordignon pouco participava das reuniões e decisões de governo de Rita?
3.
ENTRE CUNHA E STASINSKI
Para o bem ou para o mal, o projeto de poder do PT atrapalhou a governabilidade.
Nacionalmente, custou caro a tentativa de enfraquecer o PMDB logo após a vitória em 2014: primeiro criando um bloco de pequenos partidos, liderado pelo imberbe PSD do ex-adversário de São Paulo Gilberto Kassab, e depois apostando na candidatura do petista Arlindo Chinaglia para barrar a ascensão de Eduardo Cunha à Presidência da Câmara.
Os novos aliados não conseguiram fazer frente às raposas do PMDB e Cunha – com a articulação de Temer, que retribuía a ajuda definitiva de Cunha na eleição dele próprio à presidência da Câmara no governo Lula – foi ungido presidente.
O inimigo passou a morar ao lado.
Em Gravataí, o projeto de poder do PT passava por esmagar o grupo do ex-prefeito Sérgio Stasinski, que tinha sido preterido nas prévias e acusado de conspirar contra a eleição de Rita.
Passada a eleição, apenas cargos de baixo escalão foram oferecidos aos ex-inquilinos da Prefeitura, em número inferior inclusive ao tamanho demonstrado pela ala de SS nas eleições internas do partido.
Para aumentar o racha, os dois vereadores eleitos ligados a Stasinski – Márcio Souza e Cau Dias – viraram réus num processo de expulsão movido pela direção municipal.
Em 15 de outubro de 2011, Márcio – um dos principais articuladores da cassação – e Cau votaram a favor do impeachment de Rita.
Em abril deste ano, 20 anos após chegar a Prefeitura pela primeira vez, o PT implodiu e resta sem nenhum dos quatro vereadores eleitos e sem sua liderança maior, Daniel Bordignon, que foi para o PDT.
Só sobrou Rita, entre as maiores e históricas lideranças.
: Cau Dias (E) hoje está no PSB, Sérgio Stasinski (de preto) e Márcio Souza (D) estão no PV
4.
‘MÃOS DE TESOURA’
O segundo mandato de Dilma e o segundo governo de Rita começaram com a obrigação de fazer um ajuste fiscal, após políticas dos governos anteriores do partido que aumentaram os investimentos públicos, mas deixaram dívidas.
Ambas colheram impopularidade.
Rita chegou a ser retratada como ‘Rita Mãos de Tesoura’, numa alusão ao filme Edward Mãos de Tesoura.
5.
O NOJO, O MARIDO, A FEIJOADA E O VALE-TUDO
Os momentos finais de notável inabilidade e desespero antes das votações de impeachment já eram reflexos de movimentos – e, por vezes, da falta de movimento – observados durante os governos.
Dilma apelou para Michel Temer e depois para o braço direito do vice, Eliseu Padilha, para fazer a articulação política com o Congresso e desarmar ‘pautas bomba’ que explodiriam o Orçamento.
Só faltou combinar com os russos, como dizia Garrincha. A presidente não suportou as pressões do PT e desautorizou negócios feitos pelos dois, até que a dupla de habilidosos políticos, que conhecem como ninguém o alto e o baixo clero, abriram mão da função.
Ali, pode sair das trevas a conspiração pela tomada da Presidência, que para muitos começou quando Fernando Henrique Cardoso voava para cumprimentar Aécio Neves pela eleição à Presidência, mas as urnas desobedeceram.
Em Gravataí, a construção da base de apoio também foi mal feita, pelo menos sob a ótica da prática do fisiologismo. Em um momento de disputa no PV, Rita manteve no governo os dissidentes que foram para o aliado histórico, mas minúsculo, PCdoB e perdeu o apoio do vereador Ricardo Canabarro, que ficou no partido.
Da árvore dos verdes amadureceu o impeachment, idealizado pelo advogado Cláudio Ávila, a força oculta por trás do partido.
Relativizando qualquer análise ideológica ou moral, outro movimento que poderia ter salvado Rita envolveu o PTB, que buscava aproximação com o governo. O vereador Vail Correa, junto ao deputado federal Danrlei de Deus, então no partido, foram conversar com a prefeita.
Saíram da sala levando apenas irritação.
– Não queríamos cargos, queríamos levar sugestões ao governo – costuma dizer Vail, a quem quiser acreditar.
É que o experiente político, que é primo de Rita, usa de uma rusga familiar para justificar seu voto favorável ao impeachment:
– Fui chamado de corrupto, insultado e ameaçado pelo Julio Lima.
Julio é o marido de Rita. Ele teria intimado Vail em um jantar às vésperas da votação do impeachment, durante o evento Chef na Cozinha, uma promoção do Sindilojas realizada no Paladino Tênis Clube.
– O Julio disse que eu ganharia dinheiro para cassar a Rita. Disse na frente da minha família e de um monte de gente. Ali falei à minha esposa: meu voto está decidido e é a favor da cassação – conta sempre Vail.
Essa falta de gosto pelas negociações políticas e o jeito pouco simpático aos bastidores da política pesa sempre sobre Dilma e Rita.
– A presidente não conhece, e não faz questão de conhecer os deputados – conta um ex-deputado federal.
– Rita tem nojo de tratar esse toma-lá-dá-cá que virou a política – confirma uma pessoa próxima à ex-prefeita.
Mas isso não evitou que tanto Dilma, como Rita, participassem de negociações de última hora para salvar o mandato. Em Brasília, noticiou-se que a presidente recebia deputados, coisa rara em seus mandatos, além de enviar emissários a uma feijoada organizada por deputados, freqüentada por fieis e traidores.
Em Gravataí, o vereador Robertinho Andrade pode confirmar que seu PP recebeu a oferta de polpudos espaços na Prefeitura.
Igualzinho ao que tentaram Lula e Dilma às vésperas do impeachment, oferecendo ao partido que nasceu da Arena o mesmo espaço que o PMDB tinha no Ministério.
Outro movimento tentado em Gravataí buscava apoio do vereador Bernardo Nunes, do DEM, que faleceu antes da votação.
No dia da votação, até o deputado federal Ronaldo Zulke baixou na Câmara para reforçar as articulações.
: Dilma "não conhece e não faz questão de conhecer os deputados", conforme ex-deputado federal
6.
BIOGRAFIAS NA JUSTIÇA
Com o eco da garganta profunda da mídia, a oposição nunca desassociou a derrubada de Dilma do ataque à biografia de Lula e sua sonhada prisão. Novas eleições agora, ou em 2018, sempre estiveram na alça de mira.
Em Gravataí, também.
Bordignon foi impugnado em 2008 e, novamente, em 2012, quando disputou a eleição até o fim e fez 40.769 – contabilizados em separado pela justiça eleitoral até hoje, por Bordignon ter desistido de recurso após perder a eleição para Marco Alba (PMDB) e seus 51.283 votos.
O desgaste e a incerteza da candidatura inviabilizaram uma participação normal de Bordignon naquela disputa. De líder disparado – com uma popularidade maior que os adversários somados em pesquisa feita a um ano da eleição – ficou apenas 726 votos a frente da terceira colocada, Anabel Lorenzi, uma possível herdeira de um voto útil naquele pleito.
Se o calvário de Lula ainda é pouco pisado, Bordignon, desde 2008, tem sido o personagem principal de uma via crúcis a cada registro de candidatura, sempre bem explorada pelos adversários.
Ele pode?, é a pergunta recorrente.
: As lágrimas de dor de Bordignon pela impugnação, em foto de Fernando Gomes publicada pela Zero Hora
7.
‘FORA PT’
Os dois processos de impeachment tiveram apoio empresarial para ‘tirar o PT’ dos governos.
8.
O PMDB COMO CARRASCO E HERDEIRO DO PODER
Os governos pós-impeachment já estavam loteados antes das votações, tendo o PMDB no comando.
Em Brasília, o partido que já comandava a Câmara dos Deputados e o Senado, está prestes a chegar à Presidência da República sem um voto.
Em Gravataí, o PMDB comandava a Câmara com Nadir Rocha, que por 30 dias assumiu como prefeito, e depois passou o cargo ao colega Acimar da Silva, que tinha sido o relator do impeachment e foi eleito indiretamente por 10 votos entre os 14 vereadores para governar por pouco mais de um ano até 31 de dezembro de 2012.
: Com 10 votos Acimar (D) e Francisco Pinho viraram prefeito e vice após queda de Rita e seus 68.533 votos
9.
INTERMINÁVEIS E INÚTEIS SESSÕES
As sessões de votação dos impeachments, intermináveis em suas chatices de mais de 24 horas, registraram nos anais de lá, e daqui, manifestações de parlamentares em sua maioria distantes dos motivos formais pelos quais Dilma e Rita eram julgadas.
Os advogados de defesa também falaram por horas e horas a parlamentares surdos e já decididos por um voto político.
Quem se surpreendeu com a sessão de domingo, pode buscar as gravações da sessão que começou em 14 de outubro de 2011 e tirar suas próprias conclusões.
: João Nascimento, defensor de Rita, cumpriu tabela falando por mais de três horas antes da votação
10.
NOMES LIMPOS
Nenhuma delas, nem Dilma, nem Rita, foi ré em nenhum processo por corrupção.
– Golpe – é a descrição das duas para o que aconteceu com uma, e está acontecendo com a outra.
Duas mulheres…
: Rita, dois anos depois do impeachment, lançando seu livro "Golpe da Injustiça"