Adroaldo Falavena subiu no ônibus da Sogil na parada 77 e desceu em frente ao CTG Aldeia dos Anjos. Desenvolto com sua bengala atravessou lentamente o estacionamento vazio de carros ou ônibus e caminhou até o salãozinho dos fundos. No caminho de brita, nenhuma música alta, totens, balões, holofotes, luzes de led, muvuca de gente ou correria de crianças. Minutos depois, como uma lamparina onde tantos tentaram apagar a luz, foi apresentado como o mais novo filiado do PT de Gravataí. À mesa, duas ex-prefeitas e um ex-prefeito, deputados estaduais e federais. Mas, após as saídas do ex-prefeito e ex-deputado Daniel Bordignon e dos vereadores Dimas Costa, Alex Peixe, Carlito Nicolait e Alemão da Kipão, sem nenhum conterrâneo com mandato para testemunhar o lançamento da candidatura de Valter Amaral à Prefeitura.
– É nosso pior momento, sem dúvida. Lá no começo de tudo, em 1982, éramos poucos, mas havia muita esperança. Em 2006, no auge do mensalão, tínhamos governos que respondiam à sociedade. Hoje não podemos ir contra a maré e deixar de reconhecer os erros graves cometidos por pessoas do partido – admitia, em frente a bandeiras surradas e uma decoração singela, Alex Borba, há 20 anos secretário da Fazenda de Bordignon, no primeiro governo do partido em Gravataí, e, até o impeachment, homem forte do governo Rita Sanco.
– Quem está aqui representa a resistência. Não podemos baixar a cabeça e deixar de denunciar o golpe e o governo Temer, tão corrupto quanto foi o nosso, mas um destruidor de políticas sociais – resignava-se, com uma câmera no pescoço, para ele mesmo bater fotos.
: Adroaldo Falavena, entre o presidente Mello (E) e o candidato Valter (D)
A menos de um metro, o atual presidente José João de Mello, comentava a visita que, dois dias antes, recebera de Bordignon, hoje no PDT, convidando o PT para uma aliança.
– Não tinha como. Após longas discussões decidimos por uma candidatura própria. Agora seria uma aliança transgênica. Há sementes ruins ao lado dele – argumentava o agricultor de produtos orgânicos, possivelmente se referindo a Cláudio Ávila, todo poderoso da campanha de Bordignon e autor do processo de cassação que apeou Rita Sanco e o PT do poder em 2011.
Mesmo assim, Mello não escondia o orgulho de ter sido procurado pela maior estrela do partido por mais de três décadas, com quem Alexandre Stolte, que estava ali, quase ao lado, e se submeteu à decisão do partido, achava mais prudente estar.
– Ele foi lá em casa, no Morro Agudo, eu estava num aniversário de família – contava Mello, para uma das cerca de 200 pessoas que conversavam pelo salão, onde quase todo mundo se conhecia, entre fundadores do partido e jovens que se viram para manter vivo mo PT de Gravataí.
– Queremos entregar a cesta na frente de todos – pedia Lucas Kirschke, filiado há menos de dois anos, bacharel em Literatura, professor da escola municipal Mário Quintana e, ao lado de outros 11 mulheres e homens, pré-candidato a vereador com a bandeira da defesa dos animais, do veganismo e da luta LGBT.
A tal cesta era o prêmio de uma rifa para custear as atividades da Juventude do PT.
Rendeu R$ 315,20.
: Lucas (C) e Rael Fraga, outro jovem candidato a vereador, entregam o prêmio a Marzie Damin
A potência arrecadatória da época em que a estrela brilhava em Gravataí e o partido tinha 8 mil filiados, quase 10% de todo eleitorado de Gravataí, mais a Prefeitura com pelo menos 300 CCs pagando o dízimo a todo mês, além de polpudas doações de campanha, hoje sobrevive como pode.
– Não teremos nem dinheiro de fundo partidário. O PT estadual está sofrendo bloqueios e sequestros nas contas – comentava um histórico com outro veterano militante.
Na mesa ao lado deles, convites para uma paeja, com diferentes valores, R$ 20, R$ 30, R$ 50, no máximo R$ 100, mas longe dos R$ 1 mil pra mais de outros tempos.
– Pessoal – convocava a mestre de cerimônias, Eliane Silveira, jornalista de Gravataí que é secretária geral do PT gaúcho – estamos pedindo colaborações para custear este evento!
E, enquanto tesoureiros do PT aparecem algemados em rede nacional, ou presos a tornozeleiras eletrônicas, Paulo Bairros, o responsável por administrar a penúria em Gravataí, passava uma pequena sacolinha vermelha, parecida com um gorro de Papai Noel, onde eram depositadas notas de R$ 10, R$ 5 e moedas.
Quase como uma deixa, vestindo risca de giz, chega o professor Valter Amaral, acompanhado da esposa Lu, saudado por efusivas palmas e gritos de “partido, partido, é dos trabalhadores, é das trabalhadoras”.
O conflito entre o sonho e a realidade, o orgulho e o medo, que é perceptível para quem conhece Valter, um homem não afeito a grandes aventuras, arroubos juvenis ou teatralidades, meio sem querer, é resumido de cantinho pelo deputado federal Tarcísio Zimmermann:
– Esse pessoal do PT de Gravataí é tudo louco!
: Valter Amaral recebe o cumprimento do militante histórico Elton Saccol
Em 13 outras impressões, o Seguinte: conta mais do lançamento de Valter Amaral a prefeito pelo PT Gravataí.
1.
O PT tenta superar a perda de Daniel Bordignon, mas, sem nenhum vereador ou mesmo uma nominata completa com 32 candidatos a vereador, é evidente que a candidatura de Valter é uma aventura.
– É, mas os 5 mil, ou quem sabe 10 mil, ou mais votos que o Valter vai fazer, podem tirar a eleição de Bordignon – alertava, em uma conversa paralela o professor Amon Costa, jovem, mas militante das antigas, ex-presidente da Fundarc no governo Rita.
Sem atacar Bordignon, coisa que ninguém fez explicitamente durante as mais de duas horas do ato político, o PT pode atrapalhar a obsessão do ex-líder maior em chegar a Prefeitura 12 anos depois.
O que, de certa forma, já aconteceu em 2014, quando Bordignon não conseguiu a reeleição para Assembleia Legislativa talvez por votos perdidos pela falta de apoio de Carlito, candidato ao mesmo cargo, e Alex Peixe e Alemão da Kipão, que apoiaram outros candidatos.
: Pré-candidatos a vereador que estavam lá na hora posaram para foto com o candidato
2.
Valter se agarrou a dois conceitos para indicar os rumos da campanha. O primeiro é óbvio: a resistência ao ‘golpe’ que afastou a presidente Dilma Rousseff do cargo. O segundo: ele é o único candidato que não está em um partido que integra o governo Sartori (PMDB).
– É o governo mais neoliberal da América Latina – disse, com o dedo em riste, mas sem nunca aumentar a voz caracteristicamente modulada, citando professoralmente exemplos do crescimento do conservadorismo no mundo, como Trump nos Estados Unidos, Le Pen na França, o Brexit, Macri na Argentina e golpes de estado, como o mais antigo no Paraguai, e mais recente em Honduras.
3.
Valter falou da proposta de Bordignon para o PT abrir mão da candidatura:
– Mesmo que agora digam que não, nos ofereceram o vice. Eu sempre defendi uma frente ampla de esquerda contra Marco Alba (PMDB), que é afilhado político do Eliseu Padilha, o número 1 do governo Mcihel Temer. Mas fui convencido de que só manteremos nosso sonho vivo com uma candidatura própria.
– É uma utopia? É. Mas é também a defesa da nossa história, de um mundo melhor para quem mais precisa, para as minorias, as mulheres, homens, os animais. E para também reconstruir nosso PT pela base. Aceito com orgulho essa missão de ajudar para que jamais percamos a poesia! – encerrou, falando que a candidatura própria do PT em Gravataí “já é uma vitória moral e política, para além do resultado eleitoral”.
4.
Rita Sanco, a mais aplaudida da noite, foi encarregada de apresentar a candidatura de Valter.
– Motivos não faltariam para uma candidatura do PT ficar no meio do caminho. Mas aqui está o Valter para denunciar aqueles que em Gravataí e no Brasil entraram pela porta dos fundos, sem o voto popular.
– Valter é criado na nossa luta, está aqui cercado de representantes de movimentos sociais, de trabalhadores, e é necessário para que nessa campanha não se discutam nomes e projetos pessoais de poder, mas que seja uma eleição pedagógica.
5.
O tom mais crítico da noite a Bordignon foi dado por Eliane Silveira, que falou no “golpe interno” que o PT de Gravataí sofreu, que doeu tanto como os “golpes” com a cassação de Rita e o afastamento de Dilma.
6.
O deputado federal Henrique Fontana elogiou a coragem de Valter de ser candidato, “num momento em que perdemos nosso filiado mais ilustre e outros detentores de mandato”.
– Valter, aqui tu tem a missão, como temos em todos os cantos, de denunciar o golpe contra a democracia, o crime que um grupo de ladrões comete contra uma mulher que não tem nenhuma condenação e nem foi citada em nenhuma delação – disse, falando de Dilma.
Ex-líder do governo na Câmara Federal, ele listou avanços em políticas sociais, de Lula a Dilma.
– O que resume bem é que, quando Lula assumiu, 2 milhões de jovens entravam no ensino superior. Hoje são 8 milhões. Em 13 anos, os pobres viram mais filhos pisarem na universidade.
– O Valter é a síntese da nossa boa história. É o cara para carregar aqui nossa denúncia a essa elite golpista que levou Getúlio ao suicídio, que derrubou Jango e quer fazer o mesmo com Dilma.
7.
– Quando se fala em refundação do PT, é o que vocês estão fazendo aqui em Gravataí – resumiu a deputada estadual Stela Faria, ex-prefeita de Alvorada.
8.
O deputado estadual Tarcísio Zimmermann citou Bertold Brecht:
– Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.
– Imprescindível és tu, hoje aqui, Valter.
O ex-prefeito de Novo Hamburgo puxou para o PT os governos de Gravataí entre 1997 e 2001:
– Não foram o Bordignon, o Sérgio Stasinski ou a Rita que governaram. Foi o PT. E a cidade precisa saber disso.
9.
A CUT veio trazer apoio a Valter com o presidente Claudir Nespolo:
– Vamos falar bem das coisas que fizemos aqui em Gravataí, no Estado e no Brasil.
– Mas também precisamos lembrar as pessoas de que esse governo do Marco Alba segue a mesma cartilha do Sartori e dos corruptos do Temer.
10.
A vice de Valter será uma mulher.
Já é definição do PT.
11.
Vitalina Gonçalves, a liderança mais popular do sindicato dos professores, deu uma passada no evento.
12.
Carlos Athanazio, marqueteiro de todas as campanhas vitoriosas do PT, também estava lá.
Stela Farias lembrou a vitória dela em Alvorada, com o toque de Athanazio, “sem nenhum tostão”.
13.
A letra da música que embalou o lançamento de Valter diz muito sobre o momento do PT. É lá dos anos 90.
Hoje nós vamos ter uma conversa pra ver que em tudo existe uma razão
Vamos sentar, repensar a vida no pensamento e no coração
Se lá de cima vem o mau exemplo, será que é esse o país que eu quis?
Se a vida ensina, eu sou aprendiz.
Uma cidade parece pequena se comparada com um país
Mas é na sua, na minha cidade que se começa a ser feliz
Olho no olho, quem fala a verdade? Presto atenção e o coração me diz:
Se a vida ensina, eu sou aprendiz.
Será que a gente é que é diferente ou será que os outros são tão iguais?
Se honestidade é marca da gente, ser diferente então é bom demais
É minha estrela, é minha cidade, gente sincera que vem e que diz:
Gente sincera que vem e me diz, chegou a hora de ser feliz!
É nossa estrela, é nossa cidade, chegou a hora de ser feliz
Se a vida ensina, eu sou aprendiz.
É nossa estrela, é nossa cidade, chegou a hora de ser feliz
Se a vida ensina, eu sou aprendiz