Ela mora em Cachoeirinha desde 1980 e, em 1982, começou a lecionar em um prédio de madeira que ficava no outro lado da RS-118, na vila Betânia, que servia de escola para a molecada da região. Funcionária pública do estado, cedida, e do município, atualmente ela ocupa a sala principal da secretaria municipal de Educação no Complexo Administrativo Adão da Silveira Pires, assim denominado por decreto do ex-prefeito Vicente Pires (PSB), de 13 de maio de 2013.
Rosa Maria Lippert Cardoso, avó de três netos que estudam na rede municipal e também estão sentindo os reflexos da greve do professorado, é mais conhecida por Rosa Lippert. Ou Rosinha Lippert. Ela é a secretária municipal de Educação, não tem uma religião definida mas tem rezado a todos os santos, todos os dias, para que acabe o mais breve possível o inferno astral que está vivendo.
— Não faço mais postagens nas redes sociais, vou só quando é muito necessário em supermercado ou no comércio, e evito me expor ao máximo — diz, argumentando que é uma forma de evitar o confronto com a parcela dos servidores municipais – a maior parte é professor do município – que está em greve.
E contou que em recente reunião com os diretores de escolas, quase todos vestiram camisetas pretas. Só quatro diretores não estavam com roupas pretas. Sinal de luto pelo impasse entre o funcionalismo e o governo do prefeito Miki Breier (PSB). E uma das professoras revelou o que lhe deixou estarrecida:
— Ela me falou, na frente de todo mundo, que se tivesse me encontrado naquele dia (do enfrentamento dos servidores com a Brigada Militar) iria me matar. Olha o nível da agressividade das pessoas! — comentou, acrescentando que, depois, esta pessoa lhe pediu desculpas, devidamente aceitas.
Cada uma, cada uma
E o que vai acontecer com o ano letivo? Nem a secretária Rosinha Lippert sabe ao certo. Nas contas dela, entre 60% e 70% dos educandários e servidores das escolas estão trabalhando. O que ocorre é que em um determinado dia uma escola para. Outra que estava fechada reabre. A conta dos dias parados não é a mesma em todas as escolas.
Enfim. Como em cada estabelecimento há uma realidade que difere da outra, cada escola vai ter que estabelecer o seu calendário após o fim da paralisação. Mas uma coisa é certa: as aulas vão entrar janeiro adentro mesmo que a semana de recesso do meio do ano seja cancelada. Se a paralisação durar muito tempo mais, pode ter reflexos até no início do ano letivo do ano que vem.
Nesta sexta-feira, quando recebeu o Seguinte: para uma conversa, Rosinha disse que apenas três escolas estavam fechadas. Quer dizer, estão abertas, têm funcionários, mas estão com aulas suspensas. São as de Ensino Fundamental (EMEF) Jardim do Bosque e Papa João XXIII, e a de Ensino Infantil (EMEI) Beija Flor, do Jardim do Bosque. Isso pela manhã. No começo da tarde a situação já poderia ter se alterado, explica.
Rotinas modificadas
A rotina da secretária Rosinha Lippert está exigindo mais do que, certamente, ela esperava fazer quando foi convidada para o cargo pelo prefeito Miki. No cotidiano de tempos normais, reuniões, papéis para assinar, soluções políticas para situações pessoais, entre outros afazeres nada estressantes.
Com a greve, enfrentando uma pindaíba financeira sem precedentes que a impedem até de contar com recursos do orçamento da pasta – de cerca de R$ 90 milhões para o ano – e tendo que pedir dinheiro do Fundo de Reserva da Prefeitura, a secretaria ainda se vê na obrigação de exercitar tudo que sabe na arte de dialogar.
— Eu atendo todos os pais, explico, peço compreensão e ajudar, vou nas escolas resolver impasses quando até cadeados são colocados nos portões, tenho que fazer grevistas entender que quem quer trabalhar tem o direito de trabalhar e nós temos que assegurar isso a eles, enfim, têm sido dias bem complicados — conta ela.
: Secretária Rosinha Lippert admite que greve do professorado municipal pode empurrar o ano letivo de 2017 até janeiro
Situações abaladas
A secretária Rosa Lippert abre um largo e amarelado sorriso quando o Seguinte: pergunta qual seu maior desejo, hoje.
— O meu maior desejo é que isso tudo acabe o mais breve possível e que possamos atravessar esse deserto para que, lá na frente, tenhamos a compensação e satisfação de realizar um trabalho competente e eficiente para os nossos alunos.
E ela admite que a situação é complica uma vez que a greve mexe no dia a dia dos pais, especialmente daqueles que têm que trabalhar e não dispõem de familiares ou amigos ou vizinhos com os quais possam deixar os filhos.
— Uma greve como a que estamos vivendo exige muita paciência dos pais que estão com suas estruturas pessoais, familiares e profissionais abaladas. E não adianta muito a gente pedir que entendam, mas temos que continuar apelando porque se trata de uma situação que foge da nossa competência — conclui.
A reportagem insiste: além das orações, a secretária fez alguma promessa?
— Ainda não. Mas acho que vou ser obrigada!
Importante
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação determina que o ano letivo tenha:
– 200 dias de aulas, ou dias letivos
– 800 horas de aula, sem menos.
Os números
1
Nos 43 quilômetros quadrados que têm o território de Cachoeirinha, são 13 as escolas de Educação Infantil e 20 as de Ensino Fundamental, num total de 33 educandários.
2
Estão lotados na secretaria municipal de Educação um total de 1.689 servidores, incluindo motoristas, professores, atendentes, e ocupantes de outros cargos e funções.
3
Deste total, são 1.306 professores pelas contas desta sexta. São 956 professores regulares e 350 atendentes de escolas.
4
São aproximadamente 13,5 mil alunos, distribuídos da seguinte forma: 3,6 mil no Ensino Infantil, 9,6 mil no Ensino Fundamental e cerca de 150 no Ensino de Jovens e Adultos (EJA)
5
De acordo com a secretária Rosinha Lippert, atualmente Cachoeirinha tem um déficit de pelo menos 1.100 vagas para o ingresso de novos alunos, no Ensino Infantil.
Trânsito bloqueado
O Sindicato dos Municipários de Cachoeirinha (Simca) organizou no final da manhã desta sexta-feira (7/4) uma caminhada a partir da Prefeitura da cidade onde se concentrava grande número de grevistas pela avenida Flores da Cunha.
O grupo – cerca de 500 manifestantes – foi até a ponte sobre o Rio Gravataí, divisa com Porto Alegre, e interrompeu o trânsito, nos dois sentidos.
O bloqueio durou alguns minutos, suficientes para causar congestionamento de veículos em ambos os sentidos. Depois disso os funcionários municipais em greve retornaram pela Flores da Cunha em direção à Prefeitura, dispersando-se no calçadão.
Os grevistas utilizaram um caminhão de som, apitos, e levaram faixas e cartazes, alertando a população para o pacote de medidas do prefeito Miki Breier (PSB) que cortou vantagens agregadas em seus salários e que foram aprovadas pela Câmara de Vereadores.
: Centenas de funcionários em greve caminharam pela Flores da Cunha, na manhã desta sexta, até a ponte
O Simca reiterou a disposição de manter a paralização por tempo indeterminado – hoje a greve iniciada em 6 de março completou 32 dias – e exige que o prefeito Miki revogue o conjunto de medidas, única forma de encerrarem o movimento.
Segundo o site de notícias do Correio do Povo, foram cerca de 1 mil os manifestantes, entre servidores municipais e estudantes, que marcharam pela principal avenida da cidade e bloquearam a ponte na divida com a capital dos gaúhcos.