3° Neurônio | resenha

50 Tons de Rosa | Ernani Ssó

Capa do livro organizado pelo Lourenço Cazarré e publicado pela Artes & Ofícios

Não, não se trata da versão gay daquele pornô para mamães, mas de um livro sobre Pelotas nos tempos da ditadura, organizado pelo Lourenço Cazarré e publicado pela Artes & Ofícios. Também não é mais uma brincadeira com a fama da cidade. Um bando de jornalistas – no sentido de serem muitos, não no sentido de equipe-jagunço da grande imprensa – resolveu comemorar os quarenta anos de nascimento e morte, acontecimentos praticamente simultâneos, do jornal Triz, “O nanico de Pelotas”, que tinha na capa um selo: “Este jornal contém autocensura”. A manchete, sim, aludia ao mal da cidade: “Frescura?”. Nota-se de cara a influência do velho e bom Pasquim. Também pudera: os responsáveis eram muito jovens – Ayrton Centeno, o mais velho, tinha 27 anos; Luiz Lanzetta, 26 – e debochados.

O Triz foi pras bancas em outubro de 1976, com tiragem de dois mil exemplares. Sucesso – a edição esgotou em pouco tempo e o editor, Ayrton Centeno, levou pela cabeça um processo por indecência. Naquele tempo era assim: ou é comunismo ou é putaria. Muita gente não distinguia um da outra. Bom, hoje ainda não, mas deixa pra lá.

O livro vai além da história do Triz. Sem botar banca de historiadores, de modo descontraído e divertido, os autores traçam o perfil de Pelotas, seu passado remoto e as loucuras dos anos 60 e 70, relembram os tipos mais ou menos folclóricos, os bares da moda e quem foi quem na vida cultural, professores, artistas, atores, jornalistas. Mais, conseguem apreender o clima da época – vocês sabem que isso é complicado pra chuchu.

O que poderia dar uma espécie de samba-exaltação do tipo mais provinciano, deu em memórias bem-humoradas, às vezes ferinas, e, lá no fundo, melancólicas – é difícil não bater de frente com a melancolia nesses casos, quando, como diz Ayrton Centeno num dos textos, se mexe com aquele “período impreciso e nevoento entre o apocalipse dos dinossauros e o surgimento da Mirinda morango”. Em tempo: o apreciador de Mirinda morango usava calça boca-de-sino?

Não vou destacar nenhum texto – seria injusto. O conjunto deles, em sua grande variação, é que marca o charme do livro. Posso repetir o que disse o jornalista e escritor José Antônio Severo: é o único livro que trata da ditadura que dá pra gente rir.

Como andamos em tempos de deduragem desbragada, gostaria de contar aqui, pra encerrarmos, o que Lúcio Vaz revela em “Como o SNI via os nossos subversivos”. Como os subversivos pelotenses não subvertiam muito ativamente, digamos, e os espiões inventavam quase tudo nos relatórios, pois tinham de justificar o emprego. Fica a dica pra nossos escritores retomarem o mote de Graham Greene em Nosso homem em Havana. É isso, quanto mais sabemos do Brasil, mais evidente se torna a esculhambação e o perigo que corremos.

PS: Ao autores, em ordem alfabética: Ayrton Centeno, Carlos Moraes, Enio Squeff, Geraldo Hasse, José Cruz, José de Abreu, Kledir Ramil, Lourenço Cazarré, Lúcio Vaz, Luiz Lanzetta, Marcius Cortez, Marcos Macedo, Rubens Amador Filho e Vitor Minas.

 

Ernani Ssó é escritor, vive em Porto Alegre. Colabora com os sites Coletiva Net Sul21e virou colaborador fixo do Seguinte:

A carica do colunista na capa do site é do Cado, caricaturista gaúcho.

 

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