No artigo desta segunda, Prefeitura envia extinção do Ipag Saúde à Câmara; leia projeto e justificativa, revelado com exclusividade pelo Seguinte:, prometi ouvir os envolvidos e comentar o projeto de lei 19.
Sigamos. Primeiro, com os principais atingidos: a presidente do sindicato dos professores Vitalina Gonçalves é econômica nas palavras, como o salário de R$ 1200 de um professor municipal de nível 1.
– Vamos à Câmara levar aos vereadores a posição unânime da categoria que, em assembléia, decidiu pela luta para manter a assistência em saúde dos servidores.
Desde a noite de segunda o SPMG mobiliza os servidores para a partir das 17h desta terça lotar o legislativo e pressionar os vereadores, que pelo regime de urgência tem até 45 dias analisar o projeto que extingue o plano de saúde que cobre cerca de 10 mil pessoas, entre funcionários públicos ativos, inativos, pensionistas e familiares.
Sobre o indicativo de greve, aprovado praticamente por unanimidade (foram 10 votos contra em uma assembléia com cerca de mil funcionários ativos e inativos), e que era condicionado ao envio do PL pela Prefeitura à Câmara, Vitalina prefere não antecipar a data de uma nova assembléia para confirmar quando, e se, as aulas para os 30 mil alunos das cerca de 70 escolas municipais vão parar.
– Hoje vamos à Câmara. É o que tenho a dizer – diz a presidente de uma categoria que viu a extinção do Ipag cair como bomba num momento em que os servidores receberam 1,69% de reposição pela inflação entre 2017 e 2018 e reivindicam pelo menos 16% em perdas inflacionárias pelo ‘reajuste zero’ dos últimos quatro anos.
Já a justificativa do prefeito no PL 19, que o Seguinte: publicou na íntegra ontem, diz praticamente tudo.
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O governo assume sua ideologia liberal e sustenta que o ‘estado’, no caso a Prefeitura, tem que se especializar em suas obrigações, saúde, educação, infraestrutura e segurança para todos, não gerir um plano de saúde que chama de ‘privado’, mesmo que atenda a servidores públicos e seus dependentes.
O argumento, constante no texto de quatro páginas que acompanha o PL, e reforçado pelo secretário da Fazenda Davi Severgnini, o ‘Paulo Guedes’ de Marco Alba, e que costuma chamar o Ipag de ‘A Falha de San Andreas’ – em referência ao acidente geológico mais temido no mundo e que poderia desencadear um tsunami de proporções bíblicas em São Francisco, engolindo parte dos Estados Unidos: sem especialização para gerir um plano de saúde, hoje inegavelmente endividado e insustentável nos atuais moldes, paga a população (com a participação patronal, da Prefeitura, 4,5% sobre a folha) e pagam os servidores (5,5% nos salários), já que dinheiro vai sair dos cofres públicos, e dos próprios funcionários, para bancar um plano de saúde que não consegue mais sustentar os serviços que oferece.
– Gerenciar um plano de saúde é coisa para especialistas, não para um instituto de previdência municipal.
Lembrando o ‘Golias’ das contas públicas que são os R$ 60 milhões que o governo repassou no ano passado para o Ipag Previdência, como contribuição patronal, parcelamento de uma dívida de R$ 120 milhões e alíquota complementar para fazer frente ao déficit atuarial bilionário para garantir as aposentadorias dos 5 mil servidores pelos próximo 15 anos, Davi identifica a insolvência do Ipag Saúde: são R$ 6,4 milhões em débito com fornecedores e mais outros R$ 6 milhões que ficaram abertos da co-participação, que é a parte que servidores precisam contribuir em procedimentos – algumas modalidade, como oncologia, na ordem de 50%.
Além dos R$ 6 milhões inscritos como dívida dos usuários, “parcelados a perder de vista”, ainda há, conforme o secretário, outro milhão e meio “em descoberto”, já que não houve negociação com os pacientes que usaram procedimentos pagos pelo Ipag Saúde.
Davi acrescenta mais uma pendura futura: há decisão do Tribunal de Justiça gaúcho determinando o ressarcimento de R$ 4 milhões pelo Ipag para a Prefeitura, pelo pagamento por contribuições de inativos.
– Não é só porque o Ipag tem CNPJ próprio que podemos pedalar. É um ente público, pode comprometer nossa regularidade previdenciária, que é o que permite à Prefeitura captar recursos e receber repasses para obras e serviços – argumenta, alertando que, mantido o Ipag Saúde “e seu déficit corrente”, para pagar fornecedores ou procedimentos a justiça poderia determinar seqüestros de receita do Ipag Previdência.
– Não há como manter os serviços. E nem como limitá-los, mantendo os descontos e privando os usuários do atendimento – resume.
A aposta do governo é de que o projeto seja aprovado em no máximo 45 dias, haja uma transição de 90 dias, em que já será suspensa cobrança dos servidores (só serão mantidos os descontos da coparticipação por procedimentos passados), e a Prefeitura comece a pagar em parcelas a dívida do Ipag Saúde.
– O plano é quitar a dívida até o encerramento do mandato do prefeito Marco Alba – diz o secretário da Fazenda, projetando o número de parcelas conforme os meses restantes até 31 de dezembro de 2020.
O governo também publicará decreto criando uma comissão, com a participação dos servidores, para ouvir propostas de planos de saúde do setor privado, não só para os atuais usuários, mas para os 5,5 mil servidores. A Prefeitura seria o órgão garantidor, como num empréstimo consignado.
Comento.
Antes reproduzo a análise que fiz ontem, porque nada mudou nas últimas:
“(…)
Em resumo, o que o governo argumenta é: para o Ipag Saúde sair do buraco em que está só cavando um buraco maior. Do qual Marco Alba não será o coveiro, apesar de, quando púbere, ter sido jardineiro. É bem diferente da vã esperança que o SPMG vende em sua página no Facebook sobre a reunião com o governo na última sexta.
Ari Campista dizia:
– A maior arma dos trabalhadores é a greve, que só vale como ameaça. Depois de deflagrada, traz prejuízo para todos.
O líder metalúrgico nas históricas greves do ABC paulista no final dos anos 70 foi considerado ‘pelego’ pelos que viam em Lula o ‘radical’ – o que a história mostra: um erro.
Aí, cabe-me, como jornalista – não como caça-cliques defendendo em emojis de vômito que ‘greve é coisa de comunista’, ou como porta-bandeira da luta de classes incitando ao uso do principal instrumento do trabalhador contra o patrão – opinar: hoje me parece difícil colar em Gravataí uma greve para manter o plano de saúde dos servidores e familiares.
Por mais que todos – ou alguém – considerem justa uma paralisação por uma semana, um mês ou um ano, já que os professores não tem salários como os do Japão, ao fim, ninguém ganhará.
Desenho.
Marco Alba vai se despedir da Prefeitura em 31 de dezembro de 2020 fiel ao seu legado, desarmando mais essa bomba nas contas públicas de Gravataí, argumentando que ‘300 mil habitantes não podem pagar a conta por 5 mil servidores’. E, arrisco: com a população contra os servidores paralisados e sob o silencioso sorriso de políticos destros canhotos ou (fake) isentões, afinal, seja quem for a assumir o governo em 2021, pelo menos no cotejo das colunas de receita e despesa, terá um déficit corrente a menos com o qual se preocupar.
O SPMG, pelas redes sociais, está convocando a categoria para, antes de deflagrar a greve, começar a pressão sobre os vereadores já na sessão desta terça, 17h.
Sem torcida ou secação: é natural ao sindicalismo pelear, mas acredito que reste à presidente Vitalina Gonçalves conduzir a categoria a uma boa negociação com algum plano privado para atender aos seus associados. Na reunião de sexta em nenhum momento o governo sinalizou negociar – como antecipo no Seguinte: desde antes do Carnaval. Nesta segunda, o prefeito já enviou á Câmara o projeto de extinção do Ipag Saúde. Greve agora é legal e da democracia, mas não é nada além da audácia do desespero.
(…)”
Inevitavelmente teremos greve.
Explico.
Marco Alba não vai recuar. Confia estar fazendo justiça, porque entende que o Ipag Saúde, deficitário como está, vai seguir suspendendo serviços, mesmo que a Prefeitura siga contribuindo com sua parte e os servidores tenham seus descontos mensais. E nem cogita aumentar a participação do governo – o que já não fez no ano passado, quando o estudo atuarial que levou ao aumento de 1% na contribuição de servidores e dependentes nem incluiu uma alíquota maior da Prefeitura nos cenários de cálculo.
É o ‘300 mil não podem pagar por 5 mil’.
Já o sindicato precisa reagir e só resta a greve como instrumento de pressão, porque quem estiver na Câmara a partir das 17h de hoje vai testemunhar que o governo tem maioria para aprovar o PL 19.
São necessários 11 em 21 vereadores.
Arrisco antecipar que, votos garantidos contra a extinção, há seis: Alex Peixe (PDT), Carlos Fonseca (PSB), Demétrio Tafras (PDT), Dilamar Soares (PSD), Dimas Costa (PSD), Paulo Silveira (PSB) e Rosane Bordignon (PDT).
Dá para incluir na lista Wagner Padilha (PSB), porque o voto dele, a favor ou contra, não faria diferença para o governo.
Sem mandatos na Câmara, partidos como PT, PSol e PSTU também são solidários ao funcionalismo.
Não por deboche escrevi “comecem os jogos”, em artigos anteriores no Seguinte:. O que veremos é a disputa de narrativas entre Prefeitura e SPMG. O governo argumentando que aderir a planos privados é uma garantia de atendimento aos servidores, sem onerar o restante da população (a maioria usuários do SUS); e os sindicalistas sustentando que há salvação reestruturando a forma de atendimento do Ipag e devolvendo aos servidores o comando da administração do plano.
Será uma guerra de informação, já que muita gente, funcionários inclusive, não conhece as contas do Ipag ou mesmo sabe que a Prefeitura colabora com o plano de saúde dos servidores e familiares.
Concluo da mesma forma que artigos anteriores, sem torcida ou secação: o Ipag Saúde será extinto. Que se ache uma boa proposta de planos privados para que mais 10 mil pessoas não engrossem as filas do SUS.
Esperança? Só no nome do último filme da série Jogos Vorazes.