Andréia é uma moradora antiga do Centro de Porto Alegre. Vive com um filho adulto naquela esquina da Júlio de Castilhos que fica antes do Camelódromo, do lado direito da avenida para quem vai da Rodoviária, mais exatamente sob a marquise da Caixa Econômica Federal.
Há anos, eu me detenho, ali, por alguns minutos, ao descer do executivo da Transcal que me leva de Cachoeirinha, cada vez que a vejo, para saber das novidades e, às vezes, para lhe deixar alguma coisinha.
Em uma certa época, andava feliz da vida, pois tinha, enfim, conseguido fazer sua casa, que, na verdade, era uma tenda de plástico preto de uns 4m², com o que, imaginava, ela, o filho e sua cadela estariam protegidos do frio e da chuva.
Tempos depois, chamou-me, para ver os filhotinhos que a cadela havia parido durante a noite, e, quando lhe perguntei se pretendia doá-los, saltou: “Imagina, Sônia! Esse povo não cuida! Não vou doar não!”. E achei que tinha toda razão, pois nunca soube de um morador de rua que tenha abandonado um cão.
Ela, por exemplo, diz que não dorme em abrigos da Prefeitura de jeito nenhum, porque teria de deixar a cadela do lado de fora. Mas, cá entre nós, acho que não é só por isto. Provavelmente, não a deixariam entrar mesmo sozinha, pela sua dificuldade de permanecer sóbria e de respeitar horários e regras em geral.
De repente, a Andreia, o filho e a cachorrada sumiram, e ninguém soube me contar ao certo onde andavam. Uma pessoa disse-me que ela havia sido atropelada; outra, que estava se tratando de câncer em um hospital; e uma terceira, que havia ido embora com um carinha.
Passadas algumas semanas, reencontrei seu filho no mesmo lugar, estendido sobre um colchão, e me contou que a casa deles havia sido incendiada e que a mãe estava vivendo com um homem que tinha uma casa de verdade e havia prometido cuidá-la, o que me deixou mais tranquila.
O tempo foi passando e, quando achava que nunca mais a veria, lá estava a Andréia, na maior pose, sentada em uma cadeira de escritório que girava para um lado e para o outro. Já cheguei perguntando: “Estás de volta, menina?”. E ela: “Não estou não. Só vim passar uns dias na casa do meu filho, para matar a saudade”. E, dois dias depois, sumiu de novo.
Mas hoje, ao descer do ônibus, ouvi um grito conhecido: “Oi, Sônia!”. Fui me aproximando, e ela me recebeu com aquele seu sorrisão desdentado: “Pois te conto que meu companheiro me largou, e eu não tinha como pagar o aluguel. Então, voltei pra casa”.
Saí de lá pensando com os meus botões: “Como tem gente que reclama de barriga cheia! Isto sim é que é vida dura!”.