Desonestidade intelectual é o que mais se vê viralizando no Grande Tribunal das Redes Sociais. São publicações de mal informados, mas também do que chamo informados do mal – alguns bem pagos para propagar fakenews. Costumo alertar aos colegas mais novos que nossa profissão de jornalista está se tornado igual ao sapateiro depois que a China dominou o mundo. Não adianta apresentar os fatos, porque eles são os chatos que atrapalham argumentos pré-concebidos. Se a informação agrada ao leitor, é verdade. Caso desagrade, é mentira.
– Mate o mensageiro! – é a consequência.
Antes que os fanáticos, mesmo sem concluir o texto, talvez por já ultrapassar os caracteres do “leia mais” do Facebook, comecem a metralhar os teclados já gastos nas letras c-o-m-u-n-i-s-t-a ou p-e-t-r-a-l-h-a ou mi-mi-mi, antecipo que é um fenômeno mundial, não só nacional. Não se trata de uma característica apenas do antipetismo, ou de seguidores do bolsonarismo, apesar de estudo mostrar ser possível fazer uma analogia a partir de artigo escrito por Andrew Guess, da Universidade Princeton, e Jonathan Nagler e Joshua Tucker, da Universidade de Nova York (NYU), publicado pela revista científica Science Advances, que analisou a campanha presidencial norte-americana de 2016 e apontou que “pessoas com mais de 65 anos e politicamente conservadoras são mais propensas a divulgar na internet conteúdos falsos”.
A capilaridade do fenômeno é melhor explicada por pesquisa da brasileira USP, que mostra que, durante a eleição presidencial no Brasil, os grupos de família no WhatsApp foram responsáveis por 51% das fakenews, seguidos pelos grupos de amigos, com 32%.
Às vezes, o que parece fato, sem um contexto, apresenta-se como uma meia verdade – muitas vezes, a metade mais próxima da mentira. Assim vi vários compartilhamentos de post de um site cuja manchete era Eduardo Leite nomeia irmão de líder dos Sem Terra para Secretaria de Obras – José Stédile, irmão do líder do MST, assumirá pasta. No texto, entre as atribuições do secretário, prefeito de Cachoeirinha por oito anos e deputado federal por dois mandatos, aparecia listada a possibilidade de “solicitar ao governo que inicie processos para desapropriação de terras e propriedades, visando a construção de obras públicas ou com financiamento público dessa secretaria”.
Há mais de 20 anos cobrindo a política da região, acredito que me cabe contar a história inteira. A dona Lurdes, mãe dos Stédiles, não vai gostar, mas a verdade é que eles não convivem e, principalmente por divergências políticas, nem se falam mais. Nem pessoalmente, nem por celular ou mensagens, já que o irmão revolucionário não quer ser grampeado ou rastreado.
Mais velho, João Pedro, líder do MST e, depois de Lula, talvez o canhoto brasileiro mais conhecido internacionalmente, foi inspiração para José apenas na adolescência, em Nova Prata, como o próprio contou em biografia publicada pelo Seguinte: antes da última eleição, em que faltaram 400 votos para permanecer em Brasília:
“(…)
De uma família pobre do interior, fui cedo para o seminário Santo Antônio, dos frades capuchinhos. Aos 11 anos a mãe me levou até Vila Flores, um lugar lindo, com açudes, pomares e campos de futebol, e perguntou se eu queria ficar.
– Claro! – respondi, como não seria diferente para um menino curioso e cheio de energia.
Fiquei no internato até os 15 anos. O convívio com outros 300 alunos me ensinou a conviver coletivamente, a dividir e respeitar. Além de aprender a me virar. Meu irmão João Pedro estudava junto. Era uma inspiração por ter uma personalidade forte. Quando saiu, com 15 anos, foi sozinho para Porto Alegre fazer a vida, estudar economia e depois cursar no México um doutorado em agricultura familiar. Não por acaso se tornou o líder do movimento dos sem-terra, o MST. Nos falamos pouco porque ele não usa celular e nossas trajetórias políticas e partidárias seguiram por caminhos diferentes, principalmente quando votei pelo impeachment da Dilma.
(…)”
Quem não gosta de políticos de esquerda, ex-esquerda, centro-esquerda, ou mesmo acha que o PSDB, FHC e Leite também são 'esquerdopatas', pode criticar Stédile por ter sido metalúrgico e grevista, como Lula, prefeito pelo PT e depois pelo PSB, partido o qual é hoje presidente estadual, ou desconfiar do governador liberal por não se mostrar um reacionário. Mas a verdade é que José Luiz Stédile não tem relação política com João Pedro Stédile, nunca militou no MST e, ao invés de defender Dilma Rousseff (PT) do impeachment, optou por salvar a pele junto à opinião pública, da mesma forma que, dois anos depois, votou pela cassação de Michel Temer (MDB).
Inegável é, para quem quer uma informação precisa, que Stédile, o José, é mais MarxDonald´s, que MST.
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