Pouco mais da metade dos inscritos no Mais Médicos se apresentou em Gravataí, mesmo com a prorrogação do prazo até esta terça. De 18 profissionais que selecionaram a cidade, 10 já contataram a prefeitura. Dos demais, nem Apolo, Esculápio, Hígia ou Panacea tem notícia. Faltando três dias para completar um mês sem os 17 médicos cubanos que foram embora, já são quatro mil atendimentos a menos nas 11 unidades de saúde da família do município, onde atualmente 26 profissionais tentam absorver a demanda, que se concentra principalmente na periferia.
– Sai fora comunista! – possivelmente vai postar o assíduo comentador de facebook – e, talvez, leitor – Glauber Felini, que se há relação fonética no nome e sobrenome, não é parente ideológico nem de Glauber Rocha, de Deus e o Diabo na Terra do Sol, nem de Frederico Fellini, de Amarcord dos dois meninos que, ao som dos sinos da igrejinha de Rimini que anunciavam a chegada de Mussolini, assistiam sem compreender ao espetáculo do fascismo.
Mas, agrade ou desagrade fanatismos destros ou canhotos em nossa Grande Guerra Ideológica Nacional, que começou lá em 2014, meu papel de jornalista é esse: apresentar os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos.
Vamos à estatística: a 24h do prazo final do primeiro edital, prorrogado de sexta para domingo e agora para terça, 55% dos brasileiros se apresentaram ao Mais Médicos para trabalhar em Gravataí.
Mas – novamente com base nos dados, não em memes whatsappianos – há de se ter esperança, ao analisar a procura da última semana. Nas duas verificações anteriores que o Seguinte: fez, apenas duas médicas tinham se apresentado e já trabalhavam nas USFs que tinham ficado sem nenhum profissional, a Morada do Vale II e Erico Verissimo. Nos últimos sete dias, outros oito médicos entregaram os documentos e nesta semana já serão apresentados nos postos de saúde. Dá esperança, mas ainda está abaixo da média nacional anunciada nesta segunda pelo ministério da saúde, que aponta para o preenchimento de 70% das 8.517 vagas oferecidas pelo Mais Médicos.
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Há uma semana escrevi assim:
Acalmem-se os sempre nervosos, os indícios são de que, se não em Calabaço, no Ceará, que nunca tinha visto um médico antes da chegada da escrava cubana que atendia lá, Gravataí logo preencha as vagas que ficaram em aberto.
Não sou secador de pobre, então, de verdade, não vejo a hora de, quem sabe em 10 dias, postar a manchete: “Médicos brasileiros já substituíram todos os cubanos em Gravataí”.
Tinha a esperança de que, próxima à capital Porto Alegre, Gravataí não encontraria dificuldades para preencher as vagas, com salários de R$ 11.865,00 para 40 horas, pagos pelo governo federal, mais R$ 500 de auxílio alimentação e R$ 1.500 de auxílio moradia, estes custeados pela prefeitura.
Ainda não deu para dar a manchete, mas provavelmente será possível fazê-lo na semana que vem, já que o governo federal deve lançar novo edital, mas aí abrindo vagas a médicos brasileiros ou estrangeiros formados no exterior. Sem a necessidade do Revalida, colocará o futuro presidente no divã, já que na crise com a autocracia cubana Jair Bolsonaro tuitou assim:
– Nós não podemos botar gente de Cuba aqui sem o mínimo de comprovação de que eles realmente saibam o exercício da profissão. Você não pode, só porque o pobre que é atendido por eles, botar pessoas que talvez não tenham qualificação para tal.
Sem nem entrar no reconhecimento internacional em relação à medicina cubana na saúde básica e de atenção à famílias e às comunidades, que é onde os médicos atuavam no Brasil, ou no entendimento de que os cubanos trabalhavam em regime de escravidão, por esta lógica de rede social os pobres continuarão submetidos a profissionais sem Revalida.
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Cético na semana passada, o secretário da saúde Jean Torman já está mais otimista. O “não tenho certeza” do preenchimento das vagas transmutou-se em um “tem chance”.
Sobre o plano b, caso as vagas não sejam preenchidas, Jean disse que o prefeito Marco Alba fez o que podia, chamando sete médicos concursados no dia seguinte ao anúncio da saída dos cubanos. Ainda não há confirmação oficial da aceitação de nenhum. Do prazo de 60 dias, transcorreram 27. Mesmo que todos aceitem, não assumiriam os postos ainda este ano.
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Na semana passada escrevi assim:
Ao fim, a Guerra Ideológica Nacional parece importar mais do que Marias, Jõoes e Cauãs receberem atendimento no posto de saúde. Pelo menos até esta segunda, a quatro dias do fim do prazo do edital do Mais Médicos, os números são esses: 17 médicos cubanos foram embora, 18 médicos brasileiros se inscreveram no programa e apenas duas se apresentaram nas unidades de saúde da família.
É ‘menos médicos’, ainda.
Melhorou um pouco. De 18 inscritos, 10 se apresentaram.
Fato é que, prefira vermelho ou azul, para os mais pobres ainda é ‘menos médicos’.
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