crime na saúde

Empresa de Gravataí envolvida em desvio na saúde

Mandados foram cumpridos na manhã desta quinta | DIVULGAÇÃO MPRS

Gravataí entrou no radar da grande operação desencadeada na manhã desta quinta-feira (6) pelo Ministério Público contra o Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp), que administrava boa parte da saúde municipal de Canoas. Entre os mais de 70 mandados de busca e apreensão cumpridos pelo MP, pelo menos uma empresa de Gravataí, fornecedora de materiais hospitalares, que podem incluir medicamentos, foi alvo.

O MP não revelou qual a empresa, mas ela estaria na lista de 15 que, a partir desta investigação, o órgão solicitará a suspensão da participação em qualquer contrato de fornecimento a órgãos públicos. Conforme a apuração, os fornecedores faziam parte de um conluio com o grupo investigado. Por vezes, a partir de acertos para superfaturamento de produtos — somente um medicamento chegou a ter seu valor 17.000% superfaturado —, por outras, maquiando terceirizações. Eram empresas com sócios diretamente ligados ao comando do Gamp e que, desta forma, embolsavam o recurso pago pela prefeitura de Canoas.

 

 

O fornecimento de materiais hospitalares e medicamentos, aliás, foi o ponto de partida da investigação, no começo de 2017. Havia denúncias de que faltavam até remédios básicos no HPS de Canoas e, especialmente, nas unidades de tratamento pediátrico dos dois hospitais da cidade.

— Constatamos na época que a situação era terrível. Faltava até dipirona. Foi aberta uma ação na Vara da Infância e Juventude, mas começamos a apurar e verificamos que o caso era bem mais grave e envolvia todo um esquema para superfaturar materiais e medicamentos — diz o promotor João Paulo Fontoura de Medeiros.

Conforme a estimativa do Ministério Público, em um ano e meio, pelo menos R$ 40 milhões foram diretamente desviados pelo esquema. Desde o final de 2016, Canoas repassou R$ 426 milhões ao Gampi para administrar dois hospitais — HPS e Hospital Universitário —, quatro Caps e duas UPAs do município, em um contrato de serviços de R$ 1 bilhão.

Ironicamente, os funcionários do grupo estão em greve por atraso nos salários. Em propagandas veiculadas em rádio, o Gamp justifica a crise por supostos atrasos nos repasses estaduais a Canoas para a gestão da saúde.

Além de Canoas, na região metropolitana, o Gamp também atuou em Guaíba e, segundo os coordenadores do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP, lá também há indícios de falcatruas.

 

De gestor a sócio

 

A operação cumpre quatro mandados de prisão entre o Rio Grande do Sul e São Paulo. O dono do Gamp, um médico que teria maquiado a propriedade da empresa entre parentes como “laranjas”, foi preso em um hotel de luxo de Porto Alegre. Entre os presos está até mesmo o ex-secretário municipal da Saúde de Canoas, Marcelo Bósio, que também já foi gestor nesta área na Capital. Foi ele quem assinou o contrato de Canoas com o Gamp, nos meses finais do governo Jairo Jorge (PDT). Meses depois, já fora da administração municipal, foi contratado como diretor no Gamp.

Bósio é o atual controller nacional do Gamp. Segundo a investigação, apenas um mês depois de deixar a administração pública, ele teria criado uma empresa tendo como sócia uma CC da pasta de Saúde de Canoas. A empresa foi prontamente contratada pelo Gamp. A sócia dele também se tornou membro do conselho executivo da entidade.

 

: Envolvidos foram presos em hotel de luxo de Porto Alegre | DIVULGAÇÃO MPRS

 

A prática, segundo o promotor João Afonso Silva Beltrame, era comum neste grupo. O mesmo aconteceu, por exemplo, no município de Amparo, no interior de São Paulo. Lá, uma ex-secretária entre os anos de 2013 e 2016, depois de assinar contrato com o Gamp, se tornou a atual diretora-presidente do grupo. Para gerir a saúde de Canoas, por exemplo, o grupo indicou um ex-secretário da Saúde de Paraupebas, no Pará, onde o grupo também manteve gestão de um hospital público.

 

Uma "laranjeira" desde a fundação

 

De acordo com os promotores, no papel, o Gamp não levanta qualquer suspeita, mas ao analisar minuciosamente a composição da empresa e os contratos firmados por ela, revela-se o suposto esquema. Em fevereiro de 2007, houve a assembléia de fundação do grupo como entidade privada com natureza jurídica de ONG. Entre os assinantes da ata estão um motorista semialfabetizado, que foi diretor-geral. A diretoria executiva teve como conselheiros uma costureira, uma recepcionista, um mestre de obras, um ajudante geral, uma operadora de telemarketing, um cozinheiro, um estudante universitário (sobrinho do médico apontado como dono do Gamp), um montador, um manobrista e um motoboy.

Entre os desvios do dinheiro público detectados pelo MP em Canoas, estão rubricas como “custos indiretos”, entre os quais, o Gamp teria gasto R$ 9,3 milhões. Quando o Tribunal de Contas do Estado (TCE) questionou o gasto, o grupo justificou entregando notas fiscais assinadas todas no mesmo dia, por supostas consultorias pagas diretamente à conta do médico apontado como pivô do esquema.

Na prática, o dinheiro do SUS estava, segundo a investigação, custeando mordomias aos cabeças do grupo, como férias em lugares paradisíacos. Valores superiores a R$ 486 mil foram gastos em dez meses com passagens aéreas, hospedagens e reembolsos em favor de uma empresa de turismo. Uma delas, referente à estadia do médico em um hotel cinco estrelas no Leblon, no Rio de Janeiro.

Além disso, R$ 560 mil foram usados para manutenção de outras sedes do Gamp, que não em Canoas. Uma delas, uma instalação luxuosa em bairro nobre de São Paulo.

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