Neurocientista dos EUA diz que devemos deixar que as pessoas mais próximas tomem as decisões do nosso cotidiano para evitar o gasto de energia. O Seguinte: reproduz o artigo publicado pelo El País
É melhor colocar açúcar ou adoçante no café? Devo aceitar uma oferta de trabalho que me agrada ou outra que me convém? Costumamos nos debater com decisões desse tipo, mas o que realmente vai determinar se seremos mais ou menos felizes será a companhia que escolhemos em cada um desses dilemas. Essa é a opinião do neurocientista Moran Cerf, professor da Kellogg School of Management e da Northwestern University (Estados Unidos). Segundo ele, alcançar a felicidade não é algo que dependa (ao menos, não totalmente) das experiências vividas ou dos bens adquiridos. Tampouco dos objetivos pessoais ou profissionais realizados. O mais importante é a escolha das pessoas que nos acompanham.
Sua energia é limitada; você prefere gastá-la em quê?
A teoria de Cerf parte da ideia de que o processo decisório é uma tarefa que pode ser esgotadora, pois requer o consumo de uma grande quantidade de energia – que é limitada. Isso significa que tomar muitas pequenas decisões nos deixa sem recursos para focar adequadamente na escolha das coisas que realmente importam. Aquelas que mudam o rumo de nossas vidas.
Faz sentido, “sobretudo quando você tem que chegar a um acordo com outra pessoa”, concorda Marta Romo, pedagoga especializada em neurociência e autora do livro Entrena Tu Cérebro (Treine o seu cérebro). Ela considera que a força de vontade se enfraquece com a tomada de decisões. “O problema é que esse desgaste nos prejudica: quanto mais cansados estivermos para decidir, menos capazes seremos de nos autorregular e esforçar para conseguir nossos propósitos”, diz Romo. “E isso não leva à felicidade.”
Para economizar em nossa “conta pessoal de decisões”, Cerf propõe deixar que outra pessoa decida por nós em questões menores, como o restaurante onde vamos jantar ou o filme que veremos no cinema. Mas não vale deixar esses assuntos na mão de qualquer um. O neurocientista aconselha delegar a decisão somente àquelas pessoas que sabemos que têm gostos parecidos com os nossos. Ou seja: os amigos ou familiares com quem você passa tanto tempo que têm preferências e até mesmo personalidades semelhantes às suas.
Neurônios-espelho, eis o motivo que nos faz parecer com quem nos rodeia
A sabedoria popular já sabe: as pessoas que dormem no mesmo colchão acabam tendo atitudes e modos de pensar similares. E a ciência explica isso através dos chamados neurônios-espelho. Segundo a psicóloga clínica Laura García Agustín, autora de Entrena Tus Fortalezas (Treine suas fortalezas), essas células são a base da empatia. “Tendemos a ser o que mais repetimos em relação a formas de pensar, sentir e agir. Emoções, atitudes e pensamentos são contagiosos porque nos oferecem um modelo de comportamento que podemos imitar. Os seres humanos aprendem por imitação direta ou indireta, e a conduta é formada por três sistemas de reposta: o que pensamos, o que sentimos e o que fazemos”, diz ela.
Apliquemos então essa exposição teórica à prática diária. “Se convivemos com pessoas com uma determinada forma de fazer as coisas, o mais provável é acabarmos mimetizando”, diz a psicóloga. Ela lembra, contudo, que “a imitação é um processo bidirecional, no qual todos têm influência sobre todos”.
Para explicar esse mimetismo, a neurocientista cita os impulsos elétricos que nós mesmos produzimos. “As ondas cerebrais tendem a sincronizar quando passamos tempo com alguém. Os estudos sobre sincronização cerebral indicam que isso também acontece, em grande medida, devido à capacidade de antecipação de nosso cérebro.” E completa: “Somos especialistas em prever; precisamos disso, nos dá segurança. Portanto, quando conhecemos melhor uma pessoa, somos capazes de antecipar seus possíveis pensamentos, respostas, ações. E isso nos dá muita segurança.”
Delegar decisões poderia limitar nossa liberdade
Mas essa teoria tem um problema. “Para serem felizes, as pessoas precisam não apenas tomar decisões – sejam grandes, médias ou pequenas –, mas também da sensação que isso gera”, diz García Agustín. Portanto, se deixarmos todas as pequenas decisões nas mãos de outros, poderíamos limitar nossa liberdade. E “abrir mão da liberdade, mesmo que seja em questões menores, como diz Cerf, poderia prejudicar nossa autoestima e gerar dependência emocional”, acrescenta a psicóloga.
“As grandes decisões são importantes para nosso bem-estar subjetivo, mas não são determinantes para o nível de felicidade total, porque se complementam com centenas de escolhas mais frequentes, mais cotidianas e de menor envergadura que fazem parte da nossa rotina”, afirma. Segundo García Agustín, são justamente as decisões de caráter inferior que “dão sabor e sentido à vida, que alimentam nossas atitudes e nossa forma de agir, que nos ajudam a quantificar se estamos onde queremos estar e com quem queremos, e se vamos aonde desejamos.”
Chaves para tomar a decisão adequada
“Nossas decisões têm consequências. No entanto, mais do que os efeitos – por exemplo, de um divórcio após anos de casamento –, é o sentido que damos às decisões que contribui de forma poderosa para a nossa felicidade”, afirma Romo. “Ou seja, como unimos os pontos e formamos uma história completa sobre um conjunto de decisões.” Para saber se uma decisão do passado foi adequada, basta dar uma olhada em nossa consciência. As decisões adequadas, diz Romo, são aquelas que tomamos “de forma coerente com nossos valores, crenças e ideais, ainda que o resultado não seja o ideal. Mesmo quando tais decisões parecem erradas no curto prazo, com o tempo percebemos que aquilo foi o melhor”.
García Agustín concorda, lembrando que também devemos considerar a relação entre custos e benefícios. Se os custos são maiores, infelizmente não teremos feito a escolha mais adequada. “Sempre vamos ganhar e perder coisas. A chave é tentar que a retribuição seja maior do que a perda.”