Já fazia alguns dias da eleição de 1978 quando, no Aldeião, era madrugada e encerraram o escrutínio dos votos de Gravataí. A notícia se espalhou e, antes que o resultado fosse entregue em Porto Alegre para ser somado aos dados do Estado, ainda longe de serem encerrados àquela altura, repórteres dos jornais e rádios da Capital se acotovelavam no portão da casa na parada 77 da ainda chamada Avenida Flores da Cunha. Em pouco tempo, o povo também estava ali.
— Lembro até hoje como um dos momentos mais marcantes de tantas eleições que eu vivi. Ainda não estava nem perto de fechar os números do estado, mas o pai já saía de Gravataí eleito. Era algo muito novo, um ex-prefeito de uma cidade pequena ainda na época, e que era do MDB, se elegendo com uma votação tão expressiva — lembra Sônia Oliveira.
Ela se refere a Dorival Cândido Luz de Oliveira, seu pai e, naquela madrugada, transformado no primeiro deputado estadual de Gravataí. O fenômeno a que Sônia recorda, hoje, seria inimaginável. Dorival elegeu-se com 30.326 votos — o 12º mais votado do Rio Grande do Sul — e, em Gravataí, fez 16.270 votos, ou impressionantes 48,6% do total de 33.473 votos na cidade em 1978. Se fosse projetado para os dias atuais, Dorival, que àquela altura já havia sido prefeito de Gravataí duas vezes, teria para si pelo menos 77 mil votos.
Para que se tenha uma ideia, o Seguinte: fez levantamento do comportamento eleitoral da cidade nos últimos 20 anos, e 48% é justamente a média dos votos em todos os candidatos a deputado estadual da região, somados, em cada eleição ao legislativo.
No santinho daquele ano, o candidato natural de Santo Antônio da Patrulha, mas logo radicado em Gravataí, então com 52 anos, se apresentava assim: “Um representante autêntico do povo de Gravataí, Cachoeirinha e Santo Antônio da Patrulha na Assembleia Legislativa”.
— O diferencial do pai era a simplicidade. É claro que dificilmente um político hoje em dia conseguiria fazer o que ele fazia, que era receber um por um, falar com todas as pessoas. A nossa casa amanhecia, literalmente, com as pessoas fazendo fila e a mesa do café da manhã sempre cheia.
Um agregador
Neste domingo, mais uma vez, candidatos locais tentarão reocupar o lugar de Gravataí na Assembleia. Sônia, ao menos, tenta passar um pouco do perfil do pai aos candidatos que apóia.
— Acho que o pai, se estivesse no cenário da política atual, apesar de toda a radicalização, seria um homem de conciliação, porque era o perfil dele, de dialogar com todos e fazer a política como tem que ser, com diálogo. Essa serenidade eu sempre tento passar a quem concorre — diz.
: Sônia herdou o gosto pela política, mas prefere os bastidores partdários | GUILHERME KLAMT
Sônia, hoje com 59 anos, nasceu no ano em que o pai se elegeu vereador de Gravataí pela primeira vez e, desde que se conhece por gente, está mergulhada em eleições e nos bastidores da política. Neste domingo, não será diferente. Ela faz parte do MDB na cidade e garante não ter intenção de um dia lançar-se em um cargo eletivo. Prefere os bastidores.
— No domingo, vou estar no comitê dando um apoio aos fiscais que vão para as sessões eleitorais e monitorando o que acontece ao longo do dia. Aprendi com meu pai a viver o dia da votação, quando tem aquela tensão. Mas o pai nunca ficou nervoso ou tenso. O dia da eleição, para ele, era mais um momento de caminhar pela cidade e conversar com as pessoas. Sempre foi assim — recorda.
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Em 1982, Dorival foi reeleito deputado estadual somando ainda mais votos: 34.307 (17º em todo o Rio Grande do Sul). Foi vitimado por uma tragédia em meio ao mandato, em dezembro de 1984, quando morreu em acidente automobilístico a caminho de uma agenda no CTG Rancho da Saudade. Da comoção à homenagem, com o nome da avenida principal da cidade, ficou para Sônia a lembrança do Dorival, político na essência.
— Sempre que começa um período eleitoral, vem a lembrança dele, daquele tempo em que acompanhávamos, que tínhamos a casa sempre cheia, que ficávamos dias acompanhando a apuração dos votos — comenta a filha.
Na casa de Sônia, estão os 15 volumes com pronunciamentos do pai, bastante atuante, no plenário. Em apenas um ano, foram mais de 40 discursos. E, quando se analisa a pauta que o ex-prefeito levava ao debate, é possível ver que, mesmo 40 anos depois, as reivindicações são atuais.
: Um representante legítimo do povo de Gravataí, dizia santinho da campanha de 1978 | ARQUIVO PESSOAL
Pautas atuais, 40 anos depois
Logo no seu primeiro discurso, Dorival de Oliveira abordou a necessidade de pavimentar o acesso da cidade à Freeway, a Avenida Centenário, atualmente em duplicação. Na época, as obras eram esperadas há pelo menos seis anos. No final do segundo mandato, a causa era pela duplicação da então Avenida Flores da Cunha, que aconteceu, já sob o nome dele próprio.
Em 1979, a voz de Dorival foi mais uma das aliadas na denúncia contra a destruição do Banhado Grande. No ano seguinte, brigou para que o Corpo de Bombeiros instalasse de uma vez a sua unidade na cidade, já que a sede, paga pela comunidade, estava pronta há sete anos.
E, em 1981, Dorival de Oliveira ergueu a bandeira para que Gravataí tivesse uma hidráulica própria para o abastecimento público depois da construção de três unidades da Cohab na cidade. O deputado alertava: “vai faltar água em Gravataí”. Bom, qualquer semelhança com a atualidade não é coincidência.
O último projeto de grande repercussão do deputado também é uma bandeira e m benefício dos mais atuais. Ele propôs, e teve aprovação por unanimidade no plenário, o direito à meia-passagem nos ônibus para deficientes, idosos com mais de 60 anos e estudantes universitários. O projeto acabou vetado pelo então governador Jair Soares, mas anos depois, se tornaria um benefício consagrado.
Antes de morrer, Dorival já havia manifestado seus planos políticos, com 58 anos, almejava voltar à prefeitura.