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COM VÍDEO | Magrão Júnior, o Forrest Gump da Aldeia

Na rede, entre árvores e pássaros em pleno centro de Gravataí, o Magrão tem muita história para contar | GUILHERME KLAMT

O terrenão, em plena área central de Gravataí, onde um dia já funcionou uma serigrafia, hoje tem o único hostel da cidade e, no fundo — despercebido a quem não olha além do asfalto —, entre árvores, pássaros e a indispensável rede, o dono daquilo ali, Rubem Maggi Júnior, nome pelo qual ninguém conhece o Magrão Júnior, ergueu o que ele chama de “barraco”, simples, em madeira. O mais próximo do que ele realmente gosta de viver e contar. É sentado na rede que ele, ao melhor estilo Forrest Gump, joga o ouvinte para dentro do seu mundo. Impossível não se empolgar.

Magrão é um cara que não gosta de fincar raízes em um lugar só. Já rodou praticamente todo o Brasil.

— Só faltou o Amapá — garante.

E coleciona histórias de mais de 20 países. A América do Sul, ele já virou do avesso. Conhece 13 estágios da Cordilheira dos Andes, uma das suas maiores paixões. Já cruzou o Atacama e até se perdeu no Saara. E, quem diria, este personagem de Gravataí deixou parte do coração em plena margem do Rio Tapajós, em um verdadeiro paraíso conhecido como Alter do Chão. Lá, mantém, em parceria com um paulista, um “redário”. Sim, um hostel onde se dorme em redes com a maravilha da natureza bem à vista.

 

 

A primeira prancha

 

Uma das lições do Forrest do cinema era de que “a vida é como uma caixa de bombons, você nunca sabe o que virá depois”. Pois a trajetória do Magrão, aos 54 anos, pai de três filhas, hoje com 11, 20 e 33 anos, despertou meio ao acaso, no começo dos anos 1980, quando o irmão ganhou a primeira prancha de surfe. Em pouco tempo, aquela turma interessada no mar, e que saía de Gravataí em uma Rural, em um Opala, ou até mesmo em uma moto carregando a prancha, criou a Associação Surf Brothers de Gravataí (ASBG). Magrão era o mais velho.

— Fomos a primeira associação com CNPJ de um lugar que não tem mar. No começo, o pessoal todo via a gente chegando e se encantava. Porque não era a galera de Capão, de Imbé ou de Torres. Era de Gravataí. E nós tínhamos a vontade e a organização. Participávamos dos campeonatos e ganhávamos ali um quinto, sexto lugar, mas sempre ficava marcado como aquela equipe, tipo, com menos cartão, que ficava com as meninas mais bonitas da festa — brinca.

 

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A ASBG fez história e foi um dos alicerces para o crescimento do surfe gaúcho nos anos 1990. Pra o Magrão, foi o início de uma história que ele nem sabe como vai acabar. Depois de cinco anos, deixou a presidência da associação e voltou sua atenção à empresa de serigrafia, mas sentia que aquele ali não era o seu lugar. Fez uma ou outra viagem e, finalmente, em 2003, com a esposa e uma das filhas, entrou na Kombi que cruzaria o litoral brasileiro.

— Tinha um propósito. Nós acompanharíamos as etapas do Super Surf (o Brasileirão do surfe). Em cada lugar que chegávamos, ficávamos um mês acampados na praia. Foram sete meses de viagem e muito aprendizado. Aquela coisa de conviver em família, de viajar com outras pessoas, não é fácil. Não é para qualquer um — ensina.

 

Véia, a inseparável XT-225

 

É que as viagens do Magrão não são simples roteiros convencionais. A começar pelo meio de transporte. De Uno Mille, fez outra vez o percurso do litoral, desta vez com a esposa e duas filhas. Durante 30 dias, só dormiram em hotéis cinco vezes.

— Colocamos um colchão no lugar do banco de trás e assim fomos — recorda.

De Ka 1.0, desafiou a Transamazônica. Com um Corsa, foi a Ushuaia e encarou a Cordilheira dos Andes. Mesmo roteiro que fez com uma Toyota Bandeirante. De van, com uma das filhas, fez uma das suas mais prazerosas viagens, chegando à Colômbia, Equador e Venezuela até entrar no Brasil pela Amazônia. Isso sem contar no Citroen 1989 que, uns dez anos atrás, ele usou para viajar pelo sul da Europa e, a partir do Marrocos, se perder no Saara.

 

: Magrão com a esposa e as filhas, sempre companheiras de estrada | ARQUIVO PESSOAL

 

Mas poucas companhias de estrada se comparam à “véia”. A intrépida Yamaha XT-225. Há poucos dias ele fez mais uma vez o percurso da Transamazônica e cruzou o Brasil para deixar a moto guardada na sua casa em Gravataí.

— Foi difícil. Enchia o tanque de óleo a cada 300 quilômetros, mas cheguei — conta.

A primeira aventura da moto foi em 2005. A partir do Uruguai, chegou à Argentina, Chile, cruzou o deserto do Atacama, Peru e Bolívia. Quando a motinho engasgava na subida da cordilheira, era o sinal para acampar e seguir viagem no dia seguinte.

— Já estive quatro vezes em Cuzco e nunca fui a Macchu Picchu. Também, os caras cobram um monte para gringo subir e tem outros montes com tanto significado espiritual quanto aquele, sem todo esse glamour. Eu prefiro assim — diz o viajante.

 

Perdido no Saara

 

Veja o lado bom de cada situação, ensinava o Forrest Gump do cinema. O Magrão carrega este lema consigo. Em 2006, quando a Toyota Bandeirante estragou em Ushuaia, ele conheceu o François, um francês, e sua família — a esposa e quatro filhos —, que rodavam o mundo em um veículo todo adaptado justamente para viver na estrada. O francês consertou a caminhonete e ali nasceu uma grande amizade. Dois anos depois, convidado por François, Magrão Júnior foi parar na Europa.

— Foram três meses por lá. Rodei o sul da França, Holanda, Itália, Alemanha, visitei a minha filha mais velha, que estava morando em Londres — lembra.

Até que chegou a Festa do Rei, no Marrocos. Eles haviam cruzado o Mediterrâneo para conhecer o norte africano. O francês, de origem marroquina, passou sem dificuldades com o seu veículo pela alfândega. Magrão Júnior ficou para trás… E se perdeu.

— Eu não falava uma palavra em inglês, mal e mal falava espanhol, mas não me desesperei. Fui me virar. Quando dava fome, eu procurava onde poderia ter um caminhão da Coca-Cola parado. Sabe como é, os caras sempre sabem onde tem rango bom — brinca.

Ficou 20 dias na região do Saara. Conheceu o Marrocos, Mauritânia e tentou entrar na Argélia, mas na época, o país estava envolvido em um conflito.

Ao todo, nesta viagem, ele conta que rodou mais de três mil quilômetros.

— Gastei R$ 3,5 mil. Só seguindo as dicas de como economizar que o francês me ensinou. E posso dizer que vivi bem, comi bem e, todo dia, dava para tomar uma latinha de cerveja — lembra.

Logo após a Copa do Mundo de 2010, Magrão resolveu aproveitar a promoção de passagens aéreas para a África do Sul. A experiência não foi nada positiva. Não gostou do lugar e, por pouco não foi assaltado. Mas, como se acostumou a ver sempre o lado bom de cada situação, depois de 40 dias, voltou inspirado a criar por aqui um hostel, o Hostel do Magrão.

São dois quartos, quase sempre ocupados. A renda do aluguel destes quartos e das casas que ele comprou como investimento, principalmente no litoral catarinense, são as garantias para seguir em busca de novas descobertas na estrada. Por terra, ou, como no seu mais recente encanto, por água.

 

O paraíso às margens do Tapajós

 

Lá em 2007, em uma das vezes que voltou ao Brasil pela Amazônia, resolveu perguntar a um monte de gringos em uma barca que cruzava os rios Amazonas e Tapajós onde eles iriam parar: Alter do Chão era a resposta da maioria.

— Era um paraíso. Areia branquinha, água cristalina, ambiente natural. Me encantei e jurei que um dia voltava — conta.

 

: Esta é a vista, no Redário do Pindobal, em Alter do Chão | ARQUIVO PESSOAL

 

O retorno foi em 2016, com uma ajudinha hereditária, digamos assim. É que o Magrão encontrou uma casa para vender, fez oferta, mas o proprietário desconfiou. Afinal, quem era aquele gaúcho?

Quando mostrou os documentos, voltou a ser o Rubem Maggi Júnior. E a coisa mudou de figura. Ali ele seria o Maggi — sim, da mesma família do rei da soja brasileira, que define os rumos do centro-oeste e boa parte do norte do país.

— Nossa, quando ele viu que eu era Maggi, não pensou duas vezes: tá vendido — lembra o Magrão.

O avô dele, de fato, era parente direto do Maggi, o quente. Antes de comprar a casa nas margens do Tapajós, por pouco o nosso Maggi não comprou uma casa pelo Mato Grosso mesmo.

 

Saber viver a estrada

 

— O lugar é importante, pela energia que ele te transmite. Mas o que eu mais valorizo nessas andanças é a relação com as pessoas. Só quem já ficou parado no barro da Transamazônica em um Ka, com esposa e filhas, junto com aquele monte de caminhoneiros, motoristas de ônibus, ricaços do garimpo de caminhonetão, cheio de mulheres, e placas de tudo que é lugar do Brasil, consegue ter essa noção. A vida viajando é parecida com o mar quando se está surfando. Ali, naquela hora, todos são iguais, e essa sensação é muito boa — ensina.

 

: Em Cuzco, Magrão já se sente em casa, mas longe da badalação de Macchu Picchu | ARQUIVO PESSOAL

 

Como o Forrest Gump que simplesmente corria, o Magrão não sabe exatamente para onde será a próxima aventura. Costuma dizer, ele é “um cara disponível”. Se alguém fala de algum lugar interessante, ele corre no Google e vai descobrir se tem como ir. Claro que, na mente, está um objetivo próximo.

— Quero conhecer a América Central, ir até o México e vivenciar aqueles países todos daquela região. De repente velejar por lá também, porque depois de velho, parei de surfar para remar, né — conta.

E o detalhe: esta viagem, o Magrão quer fazer com uma Biz, ou uma 125…

Quando ele simplesmente, assim como o Forrest, vai decidir parar de correr, não sabe ainda. Por enquanto, está aproveitando cada bombom que a vida lhe oferece.

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