coluna da sônia

Quando migrar é preciso

Por estas voltas que o mundo dá, aterrissei, no começo de 1979, no aeroporto de Estocolmo-Arlanda, na Suécia, com uma expectativa imensa, como havia chegado, antes, a vários outros países europeus, em uma viagem solitária, que consegui esticar de um para quatro meses, por seguir à risca as dicas de mochileiros mais experientes.        

Logo depois, estava bem na frente, na fila dos passageiros, mas, em vez de me atender, o funcionário encarregado perguntou: “Brasileira?” e, quando disse que sim, decretou: “Então, fica ali ao lado, que vou te atender por último!”.

Quando, finalmente, chegou a minha vez, fui submetida a uma espécie de interrogatório: “O que vieste fazer na Suécia? Conheces alguém por aqui? Onde vais te hospedar? Quando tempo pretendes ficar no País? O que fazes no Brasil? Tens problemas com o governo brasileiro?”

Estávamos em plena ditadura militar, e fiquei sabendo, naquela conversa, que havia uma quantidade imensa de exilados brasileiros por lá, assim como de uruguaios, chilenos e argentinos, que já haviam obtido ou estavam requerendo o status de refugiados políticos.

Depois de mostrar que tinha a passagem de volta e dinheiro para bancar minha estada na Suécia, além de garantir que não pretendia ficar morando lá, o tal funcionário deu-me o visto de turista para uma semana, não sem antes perguntar onde me hospedaria e de me informar que isso poderia ser checado.   

Eu não podia dizer que ficaria na casa da Célia, uma amiga argentina que havia vivido uns tempos em Porto Alegre, até ser recebida como refugiada política na Suécia. Então, lembrei que havia ouvido falar do Red Boat, um hotel de duas estrelas (o mais caro em que me hospedei naquela viagem), afirmei que iria para lá e foi o que fiz.

Depois de me acomodar, perguntei a outros hóspedes onde se reuniam os exilados latino-americanos, pois queria saber um pouco mais sobre como viviam na Suécia, assim como havia feito em outros países por onde havia passado.   

E, por volta das 18h, lá estava eu em uma praça onde se aglomeravam centenas de jovens brasileiros, entre outros. As conversas giravam em torno das saudades de casa, das dificuldades de subsistência e de comunicação, do frio (estávamos no inverno, com temperaturas abaixo de zero o tempo todo) e da tristeza diante da militarização da América Latina.  

Um ano depois, ao me mudar para Quito, onde fui fazer um estágio na Embaixada brasileira, ainda encontrei exilados que não conseguiam tirar passaportes novos, para voltar ao Brasil, apesar da promulgação da Lei da Anistia Política, de 1979, e do discurso do General Figueiredo de que estávamos em uma etapa de transição lenta, gradual e segura para a democracia.

Lembrei dessa gente toda, dias atrás, ao ver a reação enfurecida de alguns moradores de Cachoeirinha diante da informação de que a Prefeitura se colocou à disposição para receber 80 (apenas 80 dos mais de 30.000 que há, atualmente, no território nacional)  venezuelanos que ingressaram no Brasil fugindo da crise política, econômica e social que afeta seu país, onde a hiperinflação e o desabastecimento levaram boa parte da população a uma situação de fome extrema.

Realmente, tenho dificuldade para entender tanta falta de empatia…

 

 

 

 

 

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