Da série me cortem os tubos! Me aguentem ou…
Nas duas últimas colunas falei das minhas experiências com patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal por situações decorrentes de infrações de trânsito cometidas por mim… Desta feita vou contar um caso também envolvendo um agente da PRF, só que desta vez me dei bem e botei o cara no chinelo, como se diz popularmente.
Eu tentava a vida em São Paulo.
Já tinha me dado mal em jornal e rádio lá por Sorocaba, onde morava. Mas como tinha a intenção de continuar a vida na terra dos carreteiros, enveredei por outros mundos, como da gastronomia e beberagem.
Calma!
É que eu botei um pequeno bolicho e vendia lanches e bebidas em um clube de campo, num município da Grande São Paulo, chamado de São Lourenço da Serra.
Movimento bom, principalmente no verão, considerando que o complexo aquático era frequentado por gente da grana. A sede social, para que os amigos e amigas tenham uma ideia, era local de gravação de programas de auditório para a televisão nos anos 80 e começo dos anos 90.
Como eu continuava tecnicamente morando em Sorocaba, onde tinha outros interesses, obrigava-me a cruzar pela cidade de São Paulo com frequência, em que pese o trânsito intenso das marginais Tietê e Pinheiros, por onde eu trafegava, e da autoestrada Castello Branco e trecho da BR-116 entre São Lourenço e a capital, cruzando por Taboão da Serra.
Para evitar as tranqueiras eu costumava viajar sincronizando o horário de minha passagem por estes trechos com os de trânsito menos intenso, para não perder tanto tempo e, óbvio, economizar combustível.
Pois bem!
Certa feita fui a Sorocaba para comemorar a virada do ano. E no dia 1º de janeiro, cedinho, tinha que abrir o bolicho em São Lourenço.
Tudo programado para não dar errado.
E não deu.
A não ser por um pequeno detalhe que me atrasou em cerca de 15 minutos, não mais do que isso.
Saí cedo para a estrada, cruzei a cidade de São Paulo e suas fedorentas marginais quase sozinho, tudo certo por Taboão da Serra, mas…
Em Itapecerica da Serra, pouco antes de São Lourenço da Serra, tem – ou tinha! – um posto da Polícia Rodoviária Federal. Nunca tive problemas por ali. Até esta ocasião.
Como era cedo e eu estava praticamente sozinho na estrada, afinal era 1º do ano, o único patrulheiro da PRF resolveu me abordar e mandou eu parar o meu Escort XR3 bordô! Encostei onde ele mandou e desliguei o motor. Entreguei os documentos e a Carteira Nacional de Habilitação, a popular CNH.
Tudo em dia.
O patrulheiro não se deu por satisfeito. Mandou acender faróis, piscas, sinaleiras… Tudo funcionando. Até a buzina ele mandou eu acionar.
Mas ele queria achar um problema. Andou em volta do carro. Parou na traseira direita e eu o fiquei observando, pelo retrovisor. Daí ele veio à janela do motorista e pediu que eu o acompanhasse. Na altura do rodado traseiro direito ele se agachou e falou:
— Esse pneu está com desgaste excessivo, as ranhuras já não têm a profundidade original e isso pode comprometer a dirigibilidade, causando risco de acidente! Vou ter que autuar o senhor por andar com um veículo em más condições de conservação…
Cá entre nós, ele queria uma razão para dizer que iria me multar.
Eu, prontamente:
— Está bem! O senhor por favor emita a notificação que eu tenho um compromisso e não posso me atrasar.
Foi daí que ele me chamou para dentro do posto da PRF. Eu ainda fumava, e entrei com o cigarro entre os dedos.
— O senhor por favor queira fumar lá fora para depois entrar, ou jogue o cigarro fora — disse ele, mais ou menos com estas palavras.
Como tinha pressa, joguei o cigarro fora e entrei.
Ele sentou-se à mesa e diante do bloco de notificações, brincava com a caneta em uma mão e fazia malabarismos com meus documentos na outra mão. Ficou assim, sem exagero, por uns bons cinco minutos. Vez em quando me olhava, de baixo para cima, certamente a espera que eu lhe dissesse alguma coisa.
As tripas já estavam me cozinhando por dentro, mas aguentei firme porque estava diante de uma autoridade e não queria ter maiores complicações como, por exemplo, ter o carro recolhido.
Mas, a bem da verdade, eu já sabia o que ele queria. Ele sozinho, jamais eu teria como acusá-lo de me cobrar propina para me liberar. Ele queria uma caixinha. Um agrado. Um mimo. Mas deu com os burros n’água, aquele filho de uma boa parideira.
Quieto estava, quieto continuei.
Até que ele percebeu, imagino, que deste mato não iria sair ‘a onça’ que ele queria. Muito menos ‘duas onças’, ou duas notinhas de R$ 50,00, propina comum por aqueles lados à época…
Foi quando ele me estendeu os documentos e, mais que depressa, peguei-os e guardei no bolso da camisa. Vá que ele invente de voltar atrás e, depois de ter me entregado, eu não os alcançaria mais a ele. Já era!
Foi quando ele disse, mais ou menos assim:
— Dessa vez vou liberar o senhor para seguir viagem. Fica como um presente de ano novo que estou lhe dando.
E me estendeu a mão para que o cumprimentasse, dizendo adeus, e junto com o cumprimento, talvez, eu lhe entregasse o que estava querendo.
Não lhe dei a mão.
Ao contrário, me curvei um pouco e olhei para os dois lados da mão dele que continuava estendida, calmamente, primeiro de um lado e depois do outro, deixando evidente que eu tinha entendido tudo.
Virei as costas e, antes de sair da sala, acendi um cigarro. Bati a porta com um certo exagero e me fui ao carro, dei partida e segui para minhas obrigações.
Até hoje me recordo daquele patrulheiro que queria me cobrar pedágio para eu passar pela estrada, ou cobrar hora extra por estar trabalhando em um dia que para a grande maioria das pessoas é feriado.
Mas não levou. Foi o dia em que eu ganhei a parada no enfrentamento com um patrulheiro – certamente! – corrupto da PRF.
Por estas e por outras que eu digo: para o mundo que eu quero descer.
Ah, aproveita e me corta os tubos, por favor!