Da série me cortem os tubos! Me aguentem ou…
Eu tinha meus 25 anos, por aí. Não lembro com exatidão o ano em que isso aconteceu. Eu era um “severino” (daqueles funcionários que fazem tudo) na empresa para a qual trabalhava, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a terra dos arrozais.
Bom que se diga também, sem hipocrisias e falsos moralismos, que na época eu tomava todas. Gostava de uma boa bebida, daquelas águas que boi não bebe e que não se põe na mamadeira do bebê.
Além das minhas – quase – meia dúzia de funções que tinha na empresa, da porta da frente à dos fundos, frequentemente era chamado para outras atividades. Organizava e apresentava, ao microfone, promoções comunitárias, por exemplo.
E uma das ‘extras’ que eu mais curtia era apresentar o Jantar dos Destaques. Fui mestre de cerimônias deste evento por quatro vezes. Coisa chique, que fazia até ministro de estado cruzar a Ponte do Fandango, sobre o Rio Jacuí.
Eu estava tão habituado ao cerimonial que tirava de letra. Geralmente quem me acompanhava na apresentação do Jantar dos Destaques era a Lísia Vieira da Cunha, que hoje carrega também o sobrenome Tischler, de outra tradicional família cachoeirense.
A Lísia era amigona. Além de ser ‘da casa’, sobrinha dos diretores do jornal, era a colunista social jovem. Sempre brincava, com ela, que um dia ainda a veria na telinha da ‘vênus platinada’. Não deu. Virou psicóloga!
Aos fatos!
Mas este sábado do Jantar dos Destaques jamais será esquecido. É daqueles em que tudo conspira para que as coisas, quando têm que dar errado, de fato, dão errado… Sábado era dia de eu dormir até mais tarde. Ficava muito tempo acordado de segunda à sexta, então…
E neste não foi diferente. Dormi até umas 14h, como quase sempre fazia. Almocinho básico, banho, alguns afazeres domésticos, e outras coisinhas que não recordo, mas que preencheram o tempo até por volta das 16h30min.
Foi neste horário, por aí, que fiz o primeiro copão.
Daqueles copões que a gente comprava nos supermercados com massa de tomate. Quase um meio litro, mais ou menos. Espremi uma laranja suco, coloquei duas colheres de mel, umas quatro ou cinco pedras de gelo e o restante com… vodca!
Se fosse uma receita, acrescentaria: mexa bem e beba com vontade. Depois deste, que me inspirou a fazer a retirada de inços que cresciam em meio às folhagens da frente da casa, fiz outra ‘caipiroska’…
Lá pelas 18h, acho, fui-me ao banho. Todas as partes bem lavadas, barba feita, uma lavanda qualquer escorrendo pelo pescoço, joguei-me dentro de um smoking que a empresa sempre alugava para eu usar nestas solenes ocasiões.
Fui para o clube mais cedo, a Sociedade Rio Branco, para eu e a Lísia passarmos o texto. É aquela parte em que a gente lê o script para não errar, principalmente, os nomes e sobrenomes das pessoas envolvidas, checar cargos, funções, estas coisas.
Neste meio tempo, da passagem do texto, tomei umas três ou quatro doses de uísque, cowboy porque com gelo não vale. Com gelo o uísque perde o sabor original, aquele pelo qual identificamos a idade do produto e se ele foi curtido, ou, não em barril de carvalho.
Na hora marcada subimos ao palco. Iniciada a solenidade, lembro de uma vertigem, apenas. Nada mais, nada menos, que uma queda de pressão que poderia ter-me colocado a nocaute ali mesmo, sobre o palco e diante de umas 600 pessoas, a maioria com terno e gravata e elas com longos vestidos brilhos e cabelos empapados com laquê!.
Finalizada a cerimônia, com êxito e sem que eu enrolasse a língua, juro, partimos para o jantar. Sentei com colegas. Éramos seis à mesa. ‘Derrubamos’tão somente nove garrafas de vinho. Bom! Depois das caipiras, do uísque e não sei quantas taças de vinho, a loucura maior:
Nos mandamos para um baile do chope que acontecia em outro tradicional clube, a Sociedade União Cachoeirense. A estas alturas, só sei que entortei os canecos, literalmente.
Pior não poderia ser, eu estava dirigindo.
Quando voltei para casa, não tenho sequer noção da hora, dizem que tirei o fusca do jornal empurrando os carros que estavam à frente e atrás, com os para-choques. E que desci pela Júlio de Castilhos e Saldanha Marinho medindo a rua, de meio-fio a meio-fio.
A última coisa que lembro é que, já tendo ingressado no caminho de casa, por outra avenida, um táxi passou na minha frente cortando a preferencial. Juro que pensei:
— Ainda bem que esse ‘fdp’não me bateu!
Depois disso, acordei com o ‘estouro’ do para-brisas no meu ouvido. Uns 500 metros adiante de onde o táxi me cruzou pela frente, o fusquinha, e eu, literalmente subimos no rabicho de um poste no canteiro central. Caímos, os dois, de uns três metros de altura.
Foi na frente de uma das unidades militares da cidade, o 13º Grupo de Artilharia de Campanha. Enquanto eu saia pelo espaço deixado pelo para-brisa, batendo no smoking para tirar os cacos de vidro, vi soldados correndo para me socorrerem…
Do infortúnio, restei com apenas uma gota de sangue na palma da mão direita. Nada mais. Dizem que há um santo que protege os beberrões. Se é fato, o meu estava de plantão naquela madrugada.
Desvirado o fusca, com a ajuda dos milicos, tratei de leva-lo de volta à garagem da empresa. Todo guenzo, rodas tortas, portas desencontradas… Deu perda total no coitado do branquinho.
E ainda bati na porta da casa do chefe para comunicar-lhe o ocorrido. Ele, no outro dia, domingo, foi à minha casa saber como eu estava pois, pelo estado do carro, julgou que eu estivesse bem machucado.
Como eu estava bem, na segunda-feira ganhei, dele, três dias ‘de gancho’. Pelo que, saí no lucro já que – pelo menos – continuei no emprego. Foi uma imprudência que, hoje, homem já velho, jamais admitiria repetir.
Por estas e por outras que sempre digo: para o mundo que eu quero descer.
Ah, aproveita e me corta os tubos!