Acordei aos prantos.
No sonho, eu subia ao ônibus. A barriga imensa, sete meses de gestação, a dificuldade de passar na roleta. Entreguei uma nota de dez reais ao cobrador, que me deu o troco em notas de um real.
– Mas notas de um real já não são mais aceitas! – recusei.
O cobrador discutiu. Falei, expliquei, argumentei:
– Não posso ficar no prejuízo, ninguém aceita mais essas notas!.
O cobrador saiu de seu lugar, me jogou ao chão e começou a chutar minha barriga.
Imaginem como acordei aos prantos.
Sonhos são curiosos. Que motivação eu teria para sonhar com uma nota de um real? E que desespero acordar com a mão sobre a barriga, protegendo meu pequeno Artur, que ali crescia! Isso tem explicação?
Várias correntes de pensamento, desde a ciência, a psicanálise até o esoterismo procuram desvendar os mistérios do sonho. A poesia aproxima-se dessa tentativa, mas por outro ângulo. O pensador Gaston Bachelard associa a poesia ao devaneio, diferenciando-o do sonho:
O devaneio é uma instância psíquica que muitas vezes se confunde com o sonho. Mas quando se trata de um devaneio poético (…), sabemos que não estamos mais no caminho fácil das sonolências. O espírito pode relaxar-se; mas no devaneio poético a alma está de vigília, sem tensão, repousada e ativa. (Gaston Bachelard, A poética do espaço, p. 6)
Mesmo que eu quisesse traduzir um pesadelo em um poema, não conseguiria fazê-lo de forma direta. Ao escrever, passaria a um estágio de consciência, de vigília, que me faria dar uma ordem àquilo que sonhei desorganizadamente. O sonho surge; o devaneio projeta-se.
Sempre tenho sonhos malucos. (E quem não tem?). Notas de um real, folhas em branco perseguindo-me. Este foi um poema que escrevi por ocasião de outro pesadelo:
Nada lírico
Não foi a corrida sem sair do lugar,
a mão estendida sem poder alcançar,
a ligação sem se poder completar,
o monstro e dele não poder desviar.
O grande susto,
motivo do grito desgovernado
e da rima pobre
que acordou os vizinhos
Foi uma grande folha em branco
e a caneta improdutiva
Eu em desalinho.
Talvez esta coluna tenha sido de muito devaneio.
Talvez meu poema tenha esvaziado o medo da página em branco.
Talvez isso valha uma nota de um real.