Ela voa, tem poderes telecinéticos e usa tamanho GG. A Sony Pictures planeja levar ao cinema a adaptação de Faith, a heroína que rompe definitivamente o estereótipo associado a esses personagens. O Seguinte: recomenda e reproduz o artigo publicado pelo El País
Parece que a indústria cinematográfica aprende a lição. Se já tinha ficado claro que levar os protagonistas com superpoderes das histórias em quadrinhos para suas telas é motivo de alegria nas bilheterias, em pouco mais de um ano adicionou-se à equação uma nova variável de sucesso: a diversidade. Tanto Pantera Negra no início deste ano, como Mulher Maravilha em 2017, fizeram história repercutindo no campo social e no econômico. A história da Marvel, protagonizada por um super-herói negro de mesmo nome, arrecadou mais de 1 bilhão de dólares (3,9 bilhões de reais) em apenas três semanas. O segundo, com uma protagonista feminina e feminista interpretada por Gal Gadot, também vinha demonstrar que quando se rompe a referência habitual (homem, hétero e branco), além de não haver risco de fracasso, o número de espectadores aumenta. Agora o portal Deadline afirma com exclusividade que a lista de protagonistas heroicos que revolucionam a norma não acaba aqui: chegou a vez de festejar a primeira super-heroína gorda do cinema. “A Sony Pictures está negociando a adaptação da ação da história da super-heroína da Valiant Comics,Faith, e o estúdio contratou a escritora de American Gods, Maria Melnik, para o roteiro do filme”, anunciam no site.
Faith Herbert é uma mulher na casa dos 20 anos, millennial, que trabalhava para um órgão de mídia do tipo do BuzzFeed, cujo alter ego, Zephyr, voa por aí vestida de branco e azul, procurando fazer justiça com a ajuda de seu outro superpoder, a telecinésia. O personagem original foi criado em 1992 por Jim Shooter e Joshua Dysart como parte da série Harbinger. Mas em 2016 a Valiant apostava em contar sua história com sua própria série, Faith, com Jody Houser (que também escreveu Orphan Black) encarregada de narrar a ação e Francis Portela e Marguerite Sauvage, de desenhá-la. Desde então vem obtendo boas críticas e apareceu nas listas de melhores quadrinhos do ano 2016 em mídias como Vulture, Vox e Amazon.
Um dos traços mais evidentes da protagonista é seu tamanho. Corresponde a uma imagem fora da norma do gênero que, embora revolucionária, segundo a composição de Houser, não se sobressai mais que outras características da personagem e não é o ponto central da narrativa (como fora feito anteriormente com a Harbinger, onde a própria Faith fazia constantemente piadas sobre seu peso). Como explicou Claire Doodson em seu artigo Como os Fãs dos Quadrinhos Recuperaram a Fé” no The Atlantic, “o mais convincente de seu peso é que não se trata de um problema, não tem nada a ver com sua trama ou suas habilidades. Faith não fala em fazer dieta nem faz brincadeiras sobre mal-estar com seu corpo (…) Nem sequer emprega a força para destruir seus inimigos”.
Para Asunción Bernárdez Rodal, autora do livro Soft Power: Heroínas y Muñecas en la Cultura Mediática (Soft power; heroínas e bonecas na cultura midiática), especialista em Comunicação e Gênero na Universidade Complutense de Madri, o fato de Faith chegar à grande tela é “uma iniciativa muito positiva. Tudo o que implique trazer modelos femininos mais complexos e diversos à produção audiovisual permite às mulheres reais terem mais possibilidade de ser na vida cotidiana”. É uma imagem que rompe com a da mulher padrão (magra, com grandes peitos e pernas torneadas), que, como afirma Bernárdez, “embora esse tipo de mulher com maior tamanho já existisse no cinema, não aparece com o mesmo valor nem visibilidade que lhe dá um personagem protagonista desse tipo”.
O caso de Faith não é isolado. O desenvolvimento atual de seu personagem corresponde a uma mudança no paradigma no mundo dos quadrinhos nos últimos anos, que está relacionado com o ressurgimento do feminismo. Tradicionalmente, como explica Asunción Bernárdez, “a heroína era uma mulher que se integrava em um mundo de homens com a capacidade típica deles. Uma espécie de travestismo de gênero”. Mas isso mudou, as mulheres já não têm de demonstrar que estão à altura da força deles. “Surgiram referências femininas não tão sexualizadas às quais se permite ter qualidades e relatos femininos, como Katniss Everdeen (Jogos Vorazes) ou Claire Frases (Outlander: Guerreiro vs Predador). Persongens que representam modelos e realidades próprias das mulheres, para os quais a Mulher-Aranha grávida lançada pela Marvel em 2015 seria um exemplo perfeito.
A Valiant não é a Marvel nem a DC. Ainda é difícil de prever a expectativa que a história de Faith causará, por ser a primeira heroína plus size que chegará às telas. Mas o efeito que ela poderá causar em outras mulheres (e também em homens) é ainda mais. Bernárdez Rodal explica assim: “Quando vemos um filme, lemos uma história em quadrinhos ou vemos um vídeo no YouTube, como espectadores, atuamos em dois sentidos: por um lado exercemos sempre a nossa capacidade crítica diante do que vemos, mas, por outro, fazemos um exercício de empatia emocional. Sem esta empatia, consumir ficção seria algo insuportável. Sentir empatia por personagens como este, “fora da norma”, é fundamental para deixar de viver na asfixia dos modelos de gênero”.