Estávamos fora de casa. Um bar dedicado à cerveja. Mais do que isso, às cervejas especiais — a especialidade dos nossos rivais. Logo na chegada, quando faltavam uns cinco minutos para a bola rolar em Kazan, na Rússia, para Brasil e Bélgica, pedimos justamente uma Belgian Ale. Parecia que daria sorte. Em 10 minutos, foram três grandes chances de gol para a Seleção Brasileira, e nada. Este incauto repórter não percebeu que em território inimigo não se deve brincar. A Belgian era uma armadilha da famosa "geração belga".
O jogo tinha apenas 12 minutos quando o escanteio da Bélgica foi cobrado e Fernandinho — o mesmo do 7 a 1, que agora substituía o suspenso Casemiro — desviou de cabeça contra o patrimônio. Um golaço, mas contra. Foi a primeira vez que o time de Tite teve de correr atrás do placar nesta Copa do Mundo. Não desconfiávamos, no bar no centro de Gravataí, que seria a última.
Àquela altura do jogo, a Belgian já havia sido devidamente degustada e consumida. Confesso, é superior. Mas o foco estava no telão, e no que pudesse dar esperança. Primeiro, foi o entrevero, coisa nossa, servido e devorado só para dar sorte. Depois, o pequeno Bernardo, de apenas seis meses, que chegou no colo da mãe para conferir mais um jogo da primeira Copa, que ele, obviamente, ainda não estava nem ligando. Mas, pensa bem, poderia ser o nosso amuleto naquele momento.
Mas havia algo de errado. Aos 17, o Philippe Coutinho levou falta na intermediária, e aquele nosso esquema entrosado rachava. Sim, porque o Galvão Bueno bradou: é falta! O árbitro não deu, e o Arnaldo desafiou: não foi nada. Galvão nem falou — imaginemos a cena na cabine. Passou o replay e, como quem precisa proteger a própria pele, o Arnaldo voltou atrás: foi sim! Ah, se o VAR tivesse a humildade do Arnaldo…
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O Brasil seguia martelando. Desta vez, Neymar não caía, mas batia na parede vermelha da Bélgica. Gabriel Jesus seguia nulo. William, escondido. Aos 30, porém, foi outra vez no volante substituto que a culpa necessariamente recaiu. Contra-ataque dos caras, Fernandinho flutuou, sem encontrar os armadores belgas, acompanhado por um Paulinho sem rumo. Dois atacantes aparecerem sozinhos na entrada da área. Um deles chutou forte e cruzado. Sem chances para Alisson: 2 a 0.
Era o tiro que faltava para o nosso narrador abandonar o amor: "Neymar, agora é com você. Tem que parecer no jogo. E na Copa", disparou. O público do bar que, como em 98% dos bares de Gravataí, tem como um dos seus hobbies xingar o Galvão, nem se manifestou. Até que um deles, com camiseta de Geromel, não resistiu:
— Quando o Brasil precisa do Neymar, ele amarela.
Neymar estava sendo atendido na lateral, com cara de dor.
Veio o intervalo, e aquele gostinho da Belgian amargava a tarde que deveria ser de festa, classificação e início das orações para encarar nosso maior pesadelo: a França. Era preciso mostrar nosso valor em território inimigo, mas como?
Eis a possível solução. Desceu mais um pratinho de entrevero. E agora manda uma cerveja diferente, aquela: American Lager, uma pilsen. Agora vai!
Douglas Costa veio para o jogo, trouxe consigo empolgação para ir para dentro dos belgas. Firmino também, no lugar de William. Até o Gabriel Jesus esboçou um sinal de vida, sofreu pênalti. E o VAR, outra vez, agiu contra nós. Seguia a insistência. No final, as estatísticas do jogo apontavam 26 finalizações brasileiras, destas, nove com chances de gol. A Bélgica não passou de oito chutes.
: A torcida e a cerveja foram insuficientes para levar o Brasil ao hexa
Tite tentava dar um jeito para que a bola, enfim, entrasse. E que a dupla Fernandinho e Paulinho não me fizesse lembrar aquela Belgian. Veio a terceira alteração: Renato Augusto no lugar de Paulinho.
No público do bar:
— Mas se é para colocar o Renato Augusto, fico eu de treinador. Pelo amor de Deus!
O Casagrande fez uma frase longa e repetiu a mesma informação umas três vezes, mas este repórter concordou com ele. Renato Augusto era necessário por um motivo simples: ele não erra passes.
O homem de confiança de Tite ainda se ambientava ao jogo quando a porta do bar abriu e entrou o Diego Ávila de Moura, 27 anos, outro dos amigos dos frequentadores. Alguém gritou:
— Por que demorou tanto?
Não percebi se ele respondeu, porque a entrada do Diego acordou o Phelippe Coutinho. Ele acertou o passe por cima justamente para Renato Augusto, de cabeça, fazer o gol brasileiro: 2 a 1. Havia uma esperança. O Diego seria o nosso amuleto. Não, ninguém vibrou pelo autor do gol, mas pelo nosso pé quente que, inexplicavelmente, demorou tanto para aparecer. Como pode? Que insensível.
Àquela altura, bem mais esperto, o Bernardo não perdeu tempo. Já dormia confortável no colo da mamãe. Ainda restavam 15 minutos para o jogo acabar. No rádio, a narração era adiantada, mas não vinha nenhum grito da rua. Desce mais uma American Lager. E mais uma. Chegam os 45 minutos e o Neymar acerta um chutaço de fora da área, mirando o ângulo. O goleiro se estica e bota para escanteio.
Não tinha jeito. Caímos na arapuca da geração belga. Copa do Mundo é assim mesmo, um dia o Bernardo estará acordado para entender, e o Diego nem chorou. Aos 27 anos, está acostumado com isso, afinal, nesta idade ninguém mais é menino — quase ninguém. Os belgas que sigam adiante e mostrem ao mundo que talvez sejam bons também no futebol. Aquela Belgian era boa, mas não era a melhor ocasião.