Da série me cortem os tubos! Me aguentem ou…
Quando tinha oito ou nove anos, morava no interior do interior (assim mesmo!) de Cerro Branco, então distrito de Cachoeira do Sul. Eu, meus pais adotivos e minha irmã Catarina, falecida no ano passado. Não éramos abastados, mas não enfrentávamos necessidades. Tínhamos o suficiente para nos alimentar, para nos agasalhar, e eu – além de um guri arteiro! – estudava e era bom aluno.
Por exemplo, todos os dias eu andava cerca de um quilômetro e meio para buscar um tarro de leite. Coisa de uns dois litros, acho. No caminho, estrada de chão batido, passava por uma ponte e, em seguida, por uma serraria onde toda sorte de equipamento era acionada apenas pela força de uma gigante roda d’água. Não havia energia elétrica naquele cantão. Tinha-se luz em casa por conta de baterias de caminhão carregadas por um dínamo que também era movido por uma dessas rodas d’agua. As chamadas engenhocas. Meu pai, que mudou de plano lá em 1979, tinha uma destas engenhocas, onde, também, processava suas madeiras.
Voltando ao caminho do leite…
Depois da serraria entrava um caminho menor, aqueles por onde só passavam carroças. Do lado esquerdo havia um imenso canavial. Coisa de encher os olhos. De uma variedade de cana mais grossa, empregada para, quando madura, produzir garapa e melado. Pois não é que numa dessas idas à casa dos colonos que vendiam leite, sei lá porque cargas d’água, meti uma caixa de fósforos entre o calção e o umbigo. Havia baixado em mim o espírito de Nero, aquele que, dizem, incendiou Roma. Era dia quente. Clima seco. E quando cruzava pelo canavial, não lembro o que passou pela minha cabeça. Taquei fogo. E foi aquele fogaréu. Óbvio que fiquei assustadíssimo com o ocorrido e fugi correndo em direção ao leite que, num tarro, me aguardava o pé do portão.
Voltei pelo mesmo caminho e lembro de ter ouvido murmúrios de lamentações pela queima da lavoura de cana a qual deveria garantir para aqueles colonos uma boa quantia de cruzeiros, a moeda brasileira à época.
Claro que eu não imaginava as consequências. Tanto que cheguei de sangue doce, e com o leite, em casa. Nunca pensei que a notícia do meu delito chegaria aos ouvidos do meu pai. Depois que depositei o tarro sobre a mesa da cozinha ouvi um sonoro “guriiiiii!”, bem espichado. Era a senha! Quando avistei meu pai ele já estava com a tradicional cinta com uma das extremidades enroladas na mão direita. Só então me dei conta de que o fogo havia chegado, em casa, antes do leite.
Muitas outras vezes passei pelo canavial. E a cada vez que o fazia, me doíam a bunda, as costas, as coxas, só pela recordação das cintadas… Se fosse hoje, muito provavelmente, nem um tapa levaria. Afinal, em tempos modernos, os pais sequer podem agir para que seus filhos cresçam cientes de suas responsabilidades, sejam dignos cidadãos, sob pena de ir parar na cadeia.
Ah, hoje, não uso mais caixas de fósforos. Por falar nisso, para o mundo que eu quero descer! Ah, aproveita e me corta os tubos.