– Mas vão falar a verdade? – foi pergunta de um manifestante, quando arrancávamos o carro do Seguinte:, após fazer reportagem no piquete de caminhoneiros, familiares, simpatizantes e, não poderiam faltar, aloprados que pedem intervenção militar em frente ao Radar.
Só que a verdade que tantos querem ouvir, talvez seja fakenews.
Na margem de erro da popularidade, Michel Temer, o presidente eleito para ser vice, já aceitou nos primeiros dias a estaca no peito cravada pelo que começou como um locaute de poderosos do setor de transportes, desgovernou-se para a anarquia de, por exemplo, atrasar oxigênio para hospitais e causar a morte de animais sem comida nas estradas e, agora, rodopia na pista com uma pauta que, apesar de contar com apoio de 9 a cada 10 brasileiros conforme pesquisa divulgada hoje pela Folha de S. Paulo, não passa de um ‘contra tudo isso que está aí’.
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Que inconveniente verdade é alertar que, em tempos de Grande Tribunal das Redes Sociais os próprios caminhoneiros, heróis do dia, facilmente podem se tornar os vilões na noite. Não agora, que os tanques (de combustível) começam a ser abastecidos, mas à medida que as pautas do ‘povo brasileiro’ não forem atendidas e a conta chegar para todos pagarem com o aumento nos preços – da gasolina, inclusive.
Qualquer um pode dar-se o direito de ter as próprias verdades, mas nunca o monopólio dos fatos.
A eles.
1.
Dar um golpe nos que usurparam o poder no golpeachment de 2016, ou ‘intervenção militar já’, não vai acontecer. As bananas das instituições da nossa República ainda não apodreceram a esse ponto – agradeça por isso.
2.
Tirar “toda corja lá de cima”, quem sabe na eleição de 7 de outubro, e com os modelos de financiamento eleitoral que privilegiam os de sempre, talvez nem assim – parafraseando Ulysses: se você acha esse Congresso ruim, espere o próximo.
3.
Baixar a gasolina, os impostos, “baixar tudo”, como se ouve nas manifestações, é uma conta que não sobrevive nem na macroeconomia, nem em ‘conta de padeiro’ no momento atual do país, de baixo crescimento e estados quebrados.
Ou o Rio Grande do Sul, que não consegue nem pagar salários em dia, tem como baixar o ICMS que torna nosso combustível o terceiro mais caro do Brasil?
É a pauta para a qual você buzina?
Dura verdade que é uma pauta de infantilidade tocante – e aqui misture litros de pureza e também de certa maldade, características dos comportamentos infantis.
Que verdade cruel – e não escrevo isso com nenhum prazer ou desdém – é saber que tudo isso tende a resultar em nada além do tanto de custo que será pago por todos com os subsídios do governo ao diesel e os reajustes trimestrais nos fretes, que aumentarão preços.
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Que triste verdade esse atropelamento diário de indícios de que, seja quem for eleito presidente, enfrentará incomensuráveis dificuldades para governar um país que não se recuperou da carambola que começou nas eleições de 2014 – onde, como bem descreveu Ricardo Kotscho, os vencedores enganaram os eleitores e os perdedores fizeram de tudo para melar a eleição – e terminou em 2016 com a deposição de uma presidente eleita nas urnas.
Ou o som das panelas ensurdeceu ao ponto de acreditar que uma ruptura institucional como aquela não ajudou a alimentar esse monstro da intolerância, da violência, do anti, do ‘nós contra eles’, da obsessão por sanguinolentas ditaduras, autoritarismos ou salvadores da pátria que nunca deram certo, à direita, ou à esquerda, História afora?
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O que parece estar postado no imaginário de muitos, por entre compartilhamentos bizarros de Facebook ou mentiras repassadas em texto e vídeos de WhatsApp, é que, só porque se quer, acordará, por entre as filas para abastecimento, um gigante que comandará um Comitê da Salvação Pública, um tribunal revolucionário dos sans-cullotes que, como numa Revolução Francesa tupiniquim, instalará o Terror em nome da Virtude e cortará cabeças de corruptos ‘e de tudo que está aí’?
E baixando os preços!
Fosse Lula, seja Bolsonaro, acredite em Ciro, sonhe-se com Sérgio Moro ou um picolé de chuchu, como uma reencarnação de Robespierre dificilmente escaparia da guilhotina que fica cada vez mais afiada com o ódio à política.
O que parece é que, em nome das mentiras que se quer ouvir, as eleições, que sempre representaram tempos de renovação da esperança, serão apenas uma via crucis para logo adiante culpar o próximo governante de plantão por todas nossas doenças.
Seja Jesus, Barrabás ou um Napoleão qualquer.
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