Pois é, eu já fui assaltada quatro vezes.
A primeira foi na década de 80, em Dublin. Minha amiga Rosa, que fazia estágio na Embaixada do Brasil em Paris, havia fugido (literalmente) do trabalho para me acompanhar em uma viagem curta à Inglaterra e à Irlanda, que incluiu uma noite meio punk em Liverpool, a terra dos Beatles. Mas isto é assunto para outra coluna…
E lá estávamos as duas, caminhando calmamente pelo centro da cidade, quando um jovem avançou na minha direção, arrancou a bolsinha a tiracolo que eu carregava e saiu correndo. Ao lembrar que ali estava meu passaporte — além de uns poucos francos que haviam sobrado de Paris e de algumas libras irlandesas —, enlouqueci.
E me pus a suplicar que ficasse com tudo, mas que me devolvesse o passaporte, e como me dei conta que não sabia insultar em inglês, recorri a meu arsenal de palavrões em português. E, quando já estava lá longe, gritei: “Que absurdo assaltar alguém do terceiro mundo! Eu sou brasileira, cara!”.
Em seguida, algumas pessoas que haviam assistido à cena, trataram de nos acalmar e nos indicaram onde ficava o posto policial mais próximo e, quando nos dirigíamos para lá, avistamos o jovem correndo de novo em nossa direção. Sem diminuir o passo, ele lançou a bolsinha aos meus pés e gritou: “Forgive me, miss!”.
E eu, sem acreditar no que estava ocorrendo, joguei-lhe vários beijos, como sinal de agradecimento. Em seguida, verifiquei o conteúdo da bolsinha e notei que ele havia ficado apenas com o dinheiro irlandês. Será que era só isso que queria ou precisava de um passaporte de algum país do primeiro mundo? Jamais saberei…
Meu segundo assalto deu-se na frente do edifício em que vivi com meus filhos, por um tempo, na Av. Osvaldo Aranha, em Porto Alegre, quando voltamos do Equador, onde eles nasceram e eu passei 17 anos da minha vida.
Chegando em casa, depois de um evento, pedi, pelo celular, que o Bruno descesse para abrir a porta, pois o interfone estava estragado. Nesse meio tempo, apareceu ali um guri visivelmente drogado e ficou ao meu lado, fingindo que também estava esperando algum morador. De repente, ele me mostrou um canivete e anunciou o assalto.
E eu, não sei porque cargas d’água, em vez de lhe entregar a bolsa, falei: “Vê, cara, não estou com muita grana, mas é tua, ok? Peraí…”. Daí, fui apalpando o que havia na bolsa e, fingindo que estava procurando o dinheiro, passei a ele a escova de cabelo, a calculadora, os lencinhos de papel, a niqueleira, o espelho de maquiagem, o batom…
E, enquanto isso, fui me aproximando, de costas, da porta, pois temia que, ao abri-la, o Bruno tivesse alguma reação brusca que o assustasse.
E ele ali, com aquela cara de quem estava pra lá de Bagdá… Quando a porta abriu, saltei para dentro do prédio e a fechei tão rápido que ele não teve tempo de fazer nada. Estava errada? Estava. Mas foi o que fiz.
Meu terceiro assalto ocorreu no Parque Espírito Santo, onde vivemos por algum tempo logo que nos mudamos de Porto Alegre para Cachoeirinha. Eu havia encontrado, no ônibus, a poeta Ivone Miranda, que sugeriu que, em vez de ir direto a minha casa, seguisse, com ela, por um caminho mais longo, que costumava usar, para terminarmos a conversa.
Já perto de sua casa, havia um terreno baldio com a vegetação alta, e dali saltaram dois guris, um deles armado com um revólver. Imagino que sabiam que a Ivone costumava carregar dinheiro, em função do seu trabalho, pois me deixaram pra trás, e um deles passou a ameaçá-la, para que entregasse a bolsa, e a lhe dar coronhadas nos braços. Mas a Ivone, agarrando-a com força contra o peito, teimava: “Não entrego!”.
Eu, ali, desesperada, sem saber o que fazer para defendê-la, e, de repente, ela gritou: “Corre, Soninha!” E as duas desandamos a correr em direção a sua casa, onde chegamos, com as pernas bambas, em alguns segundos. Se bem me lembro, ouvi um tiro naquele dia, mas não posso jurar que isto seja verdade. Tenho de perguntar à Ivone…
Meu último assalto — o único em que entreguei a grana sem titubear, certamente porque estava com meus filhos—, ocorreu no Leituras e Gostosuras, um café-livraria que mantivemos em Cachoeirinha.
Era uma manhã de sábado, em pleno fevereiro, e lá pelas tantas, o Bruno falou: “Mãe, vamos embora! Nenhuma das lojas da rua abriu hoje e não vai acontecer nada por aqui.” Concordei e começamos a nos organizar para fechar a livraria.
Em seguida, o telefone tocou e me pus a conversar com o Willy, meu primo. Nisso, entrou um guri e outro ficou na porta, montado em uma bicicleta. Antes que me despedisse, para atendê-lo, ele ordenou: “Diz aí que estás sendo assaltada e desliga!”. E foi o que fiz, deixando meu primo desesperado do lado de lá da linha.
Daí, apontando-me um dedo por baixo da camiseta, para fingir que tinha um revólver, o guri recolheu o dinheiro do caixa — e não fiz nada para detê-lo, porque não sabia se o outro, que havia ficado na porta, estava armado —. e, antes de sair, gritou: “Fica fria, tia, porque ‘carqué coisa nóis vortemu’”.
Depois de nos recuperarmos do susto, fiquei pensando em que tipo de sociedade é esta que não está dando conta nem de ensinar a falar minimamente a esses meninos.