Se o Centro Especializado em Reabilitação (CER) entregue na manhã de desta quinta-feira (3/5) à comunidade de cinco municípios da região existisse há pelo menos meio século, provavelmente José da Costa tivesse conhecido uma vida com melhor dignidade do que aquela que levou, perambulando pelas ruas da cidade.
Zé Louco, como ficou conhecido e foi popularizado por parte da população de Cachoeirinha, morreu na madrugada desta quinta-feira, aos 64 anos, em Porto Alegre, mesmo dia em que o CER foi entregue com a presença de políticos e representantes de Cachoeirinha, Gravataí, Alvorada, Viamão e Glorinha.
A solenidade desta manhã, comunicando a oficialização do convênio da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Cachoeirinha com o Estado e o governo federal, leia-se Ministério da Saúde, prevendo um repasse de R$ 140 mil mensais para a entidade, se deu enquanto as redes sociais ‘bombavam’ repercutindo a morte de Zé Louco.
Não faltou quem pedisse até estátua para o Zé, que com frequência gritava – “cachaça, não!” – bordão que o popularizou pelo fato de não usar os trocados que ganhava para consumir bebidas alcoólicas. Por isso era querido de muitos, como os taxistas da esquina da Francisco Brochado da Rocha com avenida Flores da Cunha.
Ou dos funcionários de um posto de combustíveis das imediações onde ele frequentemente pernoitava. Ali, tinha colchão e até acomodações para os cães que o acompanhavam nas andanças pelas padarias, lanchonetes e outros estabelecimentos da área central, onde não faltava alguém que lhe estendesse a mão.
Luto oficial
O prefeito Miki Breier (PSB), no ato de hoje cedo de instalação do Centro Especializado em Reabilitação, chegou a pedir um momento de silêncio pela morte de Zé Louco, o que acabou não acontecendo. Porque o próprio Miki emendou uma ironia justo quando se ouvia o som dos motores de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
— Queria pedir um momento de silêncio pela morte do José da Costa, o Zé Louco, de 64 anos, que representava um pouco da história da cidade, e aos pilotos da FAB que sempre passam aqui quando a gente está falando — disse o prefeito.
Mais tarde, pouco depois do meio dia, a assessoria de comunicação da Prefeitura informou que o prefeito Miki Breier decretou luto oficial de três dias pelo falecimento de Zé Louco, ocorrido em um hospital de Porto Alegre onde ele estava internado depois de passar cerca de um mês no Hospital Padre Jeremias, em Cachoeirinha.
O decreto 6.449 – do luto oficial – assinado pelo prefeito Miki, foi tornado público em edição extra do Diário Oficial de Cachoeirinha e distribuído pela assessoria do gabinete de Miki Breier, inclusive nas redes sociais, quando faltavam dois minutos para as 13h. Abaixo, mais informações sobre quem era Zé Louco, o velório e sepultamento.
Sobre o CER
Em janeiro foi assinada portaria, no Ministério da Saúde, autorizando que a Apae de Cachoeirinha agregasse às suas atividades e sediasse em suas instalações um Centro Especializado em Reabilitação (CER), conforme anúncio feito então pelo deputado federal Jones Martins (PMDB) ao presidente da Apae, Eliseu Gonçalves da Silva.
O Centro terá repasse mensal de R$ 140 mil para custeio das instalações e remuneração dos profissionais que deverão realizar, quando estiver em pleno funcionamento, até dois mil atendimentos por mês. Hoje a Apae presta atendimento a 100 pacientes, número que deve passar para 500, segundo o presidente.
O número de funcionários da Apae, com os serviços agregados do CER, passam dos atuais 17 para pelo menos 35 com a contratação de novos profissionais médicos e de enfermagem. Os serviços também serão ampliados, inclusive com o fornecimento de próteses ortopédicas e acompanhamento na readaptação destes pacientes.
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As falas
Na solenidade desta quinta o presidente Eliseu disse que a inauguração do CER é uma realidade porque a diretoria da Apae “não se conforma” com o que já conquistou, e quer sempre mais.
— Tanto que chegamos a esse novo prédio (inaugurado em 22 de novembro passado) que tem muito espaço para receber novos serviços e atender mais e melhor quem precisa — afirmou.
Eliseu deu ênfase também à importância do trabalho realizado pelo terceiro setor para suprir as demandas reprimidas pela incapacidade dos órgãos públicos, administrativa e financeira. E lembrou que o CER instalado em Cachoeirinha é o sexto do Rio Grande do Sul e o primeiro da Região Metropolitana de Porto Alegre.
O secretário de Saúde de Cachoeirinha, Paulo Abrão, considerou o momento desta quinta como “ímpar para a cidade pela inauguração do início dos trabalhos do CER”. Os primeiros pacientes, entretanto, devem ser recebidos até o final deste mês, no máximo até a primeira quinzena de junho.
— É um momento histórico para a cidade e região — disse Abrão, lembrando que o CER vai receber pacientes não só de Cachoeirinha, mas também de Gravataí, Glorinha, Alvorada e Viamão.
Já o prefeito Miki Breier não economizou elogios ao presidente da Apae.
— O Eliseu é destas pessoas que a gente conhece e sabe que ele abraça a causa, resolve o problema e oferece soluções para quem precisa. Ele realiza um trabalho excelente com muito esforço e dedicação — afirmou.
Ex-presidente
Quem também compareceu foi o ex-vereador de Cachoeirinha e ex-presidente da Apae na cidade, Rogério Sele, atual diretor do Departamento de Assistência Hospitalar e Ambulatorial da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, pasta que é responsável pela regulação dos serviços do CER.
O diretor Rogério Sele, o deputado Jones Martins e o presidente Eliseu Gonçalves explicaram que o trabalho da Apae de Cachoeirinha será mantido nos moldes atuais. O que será acrescido é o CER com seus serviços e profissionais, custeado pelo governo federal e com regulação do governo do estado.
Ou seja: os municípios da região de abrangência do Centro Especializado em Reabilitação de Cachoeirinha identificam as demandas e comunicam o órgão regulador na Secretaria da Saúde do estado. A Central de Regulação, após avaliação, vai agendar a consulta ou atendimento com os profissionais do CER.
— Todos os serviços e atendimentos serão regulados e dependerão de avaliação técnica e agendamento — esclareceu Sele.
A paternidade
Enquanto a primeira-dama de Gravataí, Patrícia Bazotti Alba, era citada e recebia agradecimentos por ter encaminhado o pedido do amigo pessoal e da sua família, Eliseu Gonçalves da Silva, quase como uma ‘mãe do CER’, o deputado federal Jones Martins poderia ser considerado o ‘pai da criança’.
Foi ele quem recebeu o primeiro pedido, de Patrícia Bazotti, enquanto era diretor no Ministério da Saúde. Isso facilitou o trâmite do processo e a adoção das medidas necessárias pela diretoria da Apae de Cachoeirinha. Hoje pela manhã ele desconversou sobre sua participação no encaminhamento do processo.
— O importante é que este Centro Especializado de Reabilitação é uma realidade não só para Cachoeirinha, mas para toda a região. São serviços muito importantes que estão sendo disponibilizados para uma parcela da população que, as vezes, não dispõe de recursos mas necessita de um atendimento especializado — afirmou.
AS ENTREVISTAS
Confira o que disseram ao Seguinte: algumas das autoridades que estiveram hoje na oficialização dos serviços do Centro Especializado em Reabilitação de Cachoeirinha.
Veja, abaixo, a entrevista em que o presidente Eliseu Gonçalves da Silva explica o que muda e como funcionarão a Apae e o Centro Especializado de Recuperação.
QUEM ERA ZÉ LOUCO
1
José Antônio Dias da Costa tinha 64 anos e era doente mental em decorrência de uma meningite que o acometeu logo no primeiro ano de vida.
2
Por mais de 40 anos foi visto andando pelas ruas centrais de Cachoeirinha, especialmente a avenida Flores da Cunha, onde muitas pessoas o ajudavam.
3
Com frequência era visto nas padarias Bazzoti e Central (ambas já não existem mais) ou com os taxistas na esquina da rua Francisco Brochado da Rocha com avenida Flores da Cunha.
4
Zé Louco era um andarilho que tinha lar, a casa da mãe, Terezinha Barbosa da Costa, hoje com 83 anos, moradora da Vista Alegre. Mas preferia perambular pela rua por ser bem tratado e ter muitas amizades.
5
Ficou popular por causa do bordão “cachaça, não!”. Era o que dizia, com algum tom de irritação, quando lhe perguntava se o dinheiro que lhe alcançavam era para bebida alcoólica.
5
Há pouco mais de dois anos voltou a morar com a mãe, Terezinha. Complicações de saúde fizeram com que ganhasse peso. Segundo ela, Zé Louco com seguidamente sentia-se indisposto e sequer saia de casa.
7
Por causa de complicações causada por uma pneumonia, foi internado inicialmente no Hospital Padre Jeremias, onde ficou quase dois meses até ser levado para o Hospital Vila Nova, na Zona Sul de Porto Alegre, onde morreu nesta madrugada.
8
O velório já está acontecendo na capela A da Funerária São Judas Tadeu, avenida Frederico Ritter, 1.161 (Distrito Industrial). O sepultamento será às 9h desta sexta-feira (4/5) no Cemitério Municipal de Cachoeirinha.
: Zé Louco com a mãe, Terezinha (sentados), e os irmãos. FOTO | Fernando Planella