O Ministério Público enviou, na última semana, um ofício à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) com a recomendação de que seja proibida a pulverização de agrotóxicos com o uso de aviões na lavouras cultivadas dentro da Área de Preservação Ambiental (APA) do Banhado Grande. A recomendação valeria, conforme o MP, a partir do plantio de 2018/2019. O órgão ambiental do Estado ainda não se posicionou sobre a recomendação que pode tornar ilegal o agricultor se seguir com esta prática na região das principais nascentes do Rio Gravataí, mas o promotor especializado, Eduardo Coral Viegas, prega cautela.
— Vamos aguardar a posição da Sema para definirmos exatamente as medidas que serão tomadas. Não queremos causar insegurança jurídica a ninguém. Nada deve ser precipitado — diz o promotor.
Conforme a assessoria de imprensa da secretaria, a recomendação está sendo analisada pelos técnicos. A recomendação, na verdade, é a reiteração do que já havia sido feito dois anos atrás. Em março de 2016, a recomendação foi feita pela promotoria especializada e, sob o pretexto de que não havia tempo hábil para que os produtores se adaptassem, houve um acordo para que a pulverização aérea de agrotóxicos ficasse proibida somente a 250 metros de qualquer recurso hídrico, a 250 metros de qualquer outro cultivo (havia preocupação pela proximidade da área de cultivo de arroz orgânico, no Assentamento Filhos de Sepé), nas proximidades de unidades de conservação e a 500 metros de povoações. Conforme Viegas, foi cumprido. Agora, ele sustenta, a medida é para restringir esse tipo d euso de agrotóxicos em toda a região da APA.
Neste intervalo de dois anos, era preciso que a Sema apresentasse algum plano de manejo da pulverização aérea de agrotóxicos na região. Significaria um estudo completo das consequências nas lavouras e na vegetação nativa, além dos resíduos que chegariam aos mananciais e um controle completo de áreas com uso de agrotóxicos na APA do Banhado Grande. Ao menos ao Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, nenhum documento deste tipo chegou neste período.
— O problema todo é não sabermos exatamente quem está pulverizando, com que tipo de produto, o tamanho da área e as consequências que podem ter em uma área sensível como o Banhado Grande. O Estado não sabe, ou pelo menos não torna público, isso — critica o presidente do comitê, Sérgio Cardoso.
: Ação contra a pulverização rendeu termos de ajustamento de conduta
O posicionamento do MP é resultado de uma investigação iniciada em 2014, quando imagens de uma área de mata nativa, às margens do Gravataí, foram destruídas pelo veneno aplicado em lavouras de arroz.
Desde então, três inquéritos civis foram movidos contra duas áreas em Viamão e uma em Glorinha, que resultaram em três termos de ajustamento de conduta (TACs) com multa de R$ 250 mil. Havia ainda outras duas investigações iniciadas, contra duas propriedades, sobre o uso de agrotóxicos proibidos no Rio Grande do Sul, em plantios de arroz da região.
A APA compreende as principais áreas remanescentes do banhado formador do Rio Gravataí, entre os territórios de Gravataí, Viamão, Glorinha e Santo Antônio da Patrulha. No coração da área de preservação, está, por exemplo, o Refúgio de Vida Silvestre do Banhado dos Pachecos — esta, uma área de preservação permanente. Lá, os vizinhos da áea de 2,5 mil hectares de reserva são os produtores de arroz orgânico, do assentamento, e duas grandes propriedades com plantação de arroz.
O perigo da soja
Não há registros recentes, ao menos na vizinhança do refúgio, de pulverização aérea de agrotóxicos, mas há uma preocupação crescente dos ecologistas engajados na preservação da fauna e flora nas nascentes do Rio Gravataí: o avanço da soja. E aí, o problema é semelhante ao da pulverização aérea. Nâo é conhecida a área total de cultivo de soja na região de nascentes do rio.
— Este ainda não é um problema na vizinhança do refúgio, mas é uma cultura que já aparece em outros pontos da APA do Banhado Grande. É algo que precisa ser analisado, porque, sem dúvida, causará impacto na região — avalia o biólogo André Osório, gestor do Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.
Sabe-se que proprietários de Santo Antônio da Patrulha, Gravataí e Glorinha já plantam a soja, ao menos, em parte de suas terras. Diante das restrições crescentes à captação de água do Gravataí para as lavouras de arroz — e das vantagens econômicas —, produtores passaram à nova cultura.
A soja demanda menos água do que o arroz, mas também é conhecida por utilizar mais agrotóxicos. Além disso, segundo o biólogo, as espécies que convivem na região do banhado já se adaptaram ao arroz, que é plantado justamente no solo alagadiço. Com a soja, a dinâmica muda. Representa, sob o ponto de vista das espécies que dependem do banhado, maior perda de terreno do que as lavouras já provocavam.