Vereadores de Gravataí foram absolvidos por unanimidade pelo Tribunal Regional Eleitoral no ‘caso das candidaturas laranjas’. O Seguinte: estava lá e conta como foi o julgamento de Bombeiro Batista, Dilamar Soares e Dimas Costa
O Brasil e Alemanha a favor dos vereadores de Gravataí já ultrapassa as fronteiras do Rio Grande do Sul.
– Recebi mensagem do Paraná buscando informações sobre o julgamento no TRE – contou ao Seguinte:, às 7h30 desta terça, José Luís Blaszak, advogado de Bombeiro Batista e Dilamar Soares.
Atuante em causas eleitorais há duas décadas, o ex-integrante do TRE do Mato Grosso entre 2012 e 2014 já tinha alertado na sustentação oral de dez minutos que fez no final da tarde desta segunda sobre a singularidade do julgamento para decisões futuras da justiça eleitoral brasileira.
– É um momento histórico do Direito Eleitoral. Nunca transitou em julgado uma cassação por isso. Eleitoralistas do país inteiro estão observando. Cabe aos tribunais regionais construir a base do que o país pensa sobre matéria tão controversa, principalmente por, neste caso, tratar-se de uma mera discussão sobre uma prova testemunhal – alertou, lembrando que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não julgou recursos de condenações ou absolvições pela suposta fraude e abuso de poder na inscrição de candidaturas fictícias de mulheres para preencher a cota de 30% nas coligações.
O famoso advogado contratado pelos dois vereadores observou que a série de ações país afora pedindo condenação de coligações “pegou a todos de surpresa”, já que “até hoje não havia registro de cassação de mandato de terceiros, no caso, os vereadores, que não participaram da suposta fraude”.
– E nas regras divulgadas pelo TSE para as eleições de 2018 não há nenhuma alteração em relação a 2016 alertando sobre isso.
: José Luís Blaszak fala no plenário, enquanto vereadores observam da assistência
Olho no laranjal
Menos de um mês após as eleições de 2016, o Seguinte: revelou que a Procuradoria Geral da República tinha recomendado as promotorias locais que investigassem candidaturas de mulheres que não receberam sequer o próprio voto nas eleições de 2 de outubro. Caso comprovadas eventuais irregularidades, o MP deveria pedir a cassação dos eleitos e suplentes dos partidos e coligações envolvidos na suposta fraude.
Em Gravataí, além das mulheres estarem entre as menos votadas, quatro terminaram a eleição sem nenhum voto. Duas da coligação de Levi Melo (uma do PSD, outra do PRTB) e duas da coligação de Marco Alba (uma do PTC e outra do PMN). Três delas não tiveram movimentação financeira e uma registrou prestação de contas de menos de mil reais.
À época, a ministra Luciana Lóssio, do TSE, apoiou publicamente maior rigor na investigação de ‘candidaturas laranjas’ em todo Brasil.
– Corremos o risco de ter o esvaziamento da lei, que foi criada para corrigir um déficit histórico de sub-representação feminina que existe no cenário político brasileiro – disse à reportagem do Seguinte:, ao se referir à Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97).
Essa norma estabelece que, nas eleições proporcionais, “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. A reforma eleitoral de 2009 reforçou essa obrigatoriedade ao substituir a expressão “poderá reservar” para “preencherá” no enunciado do texto.
Apesar dessa regra, o resultado das eleições de 2016 revelou que, em todo Brasil, 14.417 mulheres foram registradas como candidatas, mas terminaram a eleição com votação zerada. O número elevado dessas ocorrências indicou um verdadeiro ‘laranjal’, com partidos lançando candidatas fake apenas para preencher a cota obrigatória, sem investir na campanha dessas candidatas.
A partir desses números, o então vice-procurador-geral da República, Nicolao Dino, enviou orientações aos procuradores eleitorais para que apurassem a veracidade dessas candidaturas conferindo assinaturas e documentos no processo de registro de candidatura, as draps.
– No caso de serem comprovadas essas irregularidades, além de denunciar os responsáveis pelo crime de falsidade ideológica eleitoral, os membros do MPE devem propor ação de investigação eleitoral e de impugnação do mandato eletivo contra os candidatos homens da legenda partidária, que se beneficiaram com a ilegalidade – disse Dino, também na reportagem do Seguinte:, argumentando que a impugnação não deveria se estender às mulheres eleitas, visto que a fraude não influenciou suas candidaturas.
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A promotora da impugnação
Em fevereiro de 2017, a promotora Ana Carolina de Quadros Azambuja apresentou a Ação de Impugnação de Mandato Eleitoral (AIME) número 483-46.2016.6.21.0173 cassando os três vereadores de Gravataí e os 27 suplentes por fraude e abuso de poder na composição da lista de candidatos apresentada pela coligação PSD-PRTB. Notória em Gravataí pelo pedido de impugnação de Daniel Bordignon na ‘eleição que não terminou’ em 2016 e culminou com um novo pleito em março de 2017, ela conduziu uma investigação, depois seguida pela promotora Carolina Barth, que apurou que as candidatas não receberam nenhum voto, não possuíam material de campanha, não promoveram anúncio e nem faziam postagem em redes sociais, além de, na prestação de contas à Justiça Eleitoral, uma não ter declarado gastos e outra ter lançado apenas R$ 798,85.
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Em setembro, a juíza eleitoral Quelen Van Caneghan aceitou a denúncia do MP e determinou a anulação de todos os 17.839 votos da coligação, o que levaria à cassação dos mandatos de Bombeiro Batista, Dilamar Soares e Dimas Costa e ao impedimento dos suplentes assumirem.
Um dos principais pilares da sentença foi o depoimento de uma das candidatas, que conforme a juíza “admitiu toda estratégia de convencimento adotada para que anuísse com a inclusão de seu nome na lista de candidatos, expondo uma série de ilícitos, perpretados com o fito de preencher a nominata com o percentual do quociente de gênero”.
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A Câmara das 3 mulheres
Curiosamente, se a decisão no 'caso das laranjas' não fosse revertida em tribunais superiores, os três vereadores homens seriam substituídos por duas mulheres Selma Fraga (DEM) e Márcia Becker (PV), além de Josué Bitelo (PDT) – os novos ‘eleitos’ no recálculo do cociente eleitoral sobre os 112.982 votos válidos restantes em Gravataí.
A Câmara, com a atual única vereadora Rosane Bordignon (PDT), teria uma representação feminina de três entre 21 cadeiras.
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Candidatura comprada
Bombeiro, Dimas e Dilamar recorreram ao TRE e, no julgamento desta segunda, enfrentavam ainda um parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (PRE), o ‘MP de segundo grau’, pedindo a manutenção da sentença da justiça eleitoral de Gravataí e a cassação dos mandatos.
Na sustentação oral, o procurador regional eleitoral Luiz Carlos Weber apresentou o que considerava provas da fraude, principalmente em relação à principal testemunha, Cátia Berenice Valadas de Souza.
– A candidatura foi comprada pela coligação – resumiu, acrescentando que não se associaria a um pedido de cassação, “de pena tão grave”, se não houvesse “prova robusta”.
Na construção feita no parecer e em sua exposição no plenário do TRE, o procurador citou trechos da denúncia do MP e da sentença onde uma das ‘laranjas’, Simone Silva dos Santos admite não ter feito campanha para si, mas para outros candidatos, e outra, Cátia, acusa Ariovaldo José Mendes de Almeida, presidente do PRTB, de ter negociado a candidatura dela em troca de uma ressonância magnética ao custo de R$ 5 mil para o filho na clínica do candidato a prefeito Levi Melo – promessa nunca cumprida.
Conforme o procurador, a dona-de-casa “não fez campanha, não recebeu material e a prestação de contas em baixo valor pode ter sido realizada para dificultar a identificação da fraude”.
– Os efeitos são graves, três cassações, mas os registros fictícios permitiram inscrever mais candidaturas masculinas. Então, os vereadores e suplentes homens foram sim beneficiados com a fraude, mesmo que indiretamente – sustentou o procurador, defendendo o cumprimento da legislação “para que nas eleições as mulheres recebam dos partidos estrutura para fazer campanha de verdade, em igualdade com os homens”.
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Dois depoimentos, nenhuma prova
Os diferentes depoimentos prestados por Cátia foram questionados na defesa e na sustentação oral feita no TRE por Cláudio Ávila, advogado do vereador Dimas Costa e ligado ao também famoso escritório Alckmin & Gatti, que reúne os dois ex-ministros do TSE, José Eduardo Rangel e Alckmin e José Augusto Rangel de Alckmin, que presta serviços, por exemplo, às principais lideranças nacionais do PSDB, como o governador de Geraldo Alckmin, de quem são primos, e o senador Aécio Neves – além de ter defendido Daniel Bordignon e ele próprio, Ávila, que era o candidato a vice, na tentativa de reverter a impugnação da chapa em 2016 na ‘eleição que não terminou’.
– Estamos aqui para analisar uma presunção de verdade, pois a candidata Cátia foi ao MP, disse que tinha desistido da candidatura, prestou contas, mas depois deu novo depoimento dizendo só ter aceito ser candidata porque vislumbrou obter vantagens financeiras. Não teria mudado o depoimento porque nada recebeu, já que nem os vereadores, nem o candidato a prefeito fizeram essa promessa? – questionou, acrescentando que “mesmo escolhendo um dos depoimentos, não há provas na sentença”.
Sem citar sua participação na chapa, o polêmico Ávila não deixou a política de fora do tapetão ao lembrar a impugnação de Bordignon, em 2016:
– Gravataí, a cidade mais judicializada do Rio Grande do Sul, onde 41 mil votos já foram anulados em 2016 e foi necessária uma nova eleição, agora vai cassar três vereadores, um deles Dimas Costa, o segundo mais votado, o mais votado da oposição, e anular os votos de uma coligação que conseguiu eleger três vereadores em uma cidade grenalizada entre Daniel Bordignon e Marco Alba?
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Decisão relâmpago
Quando o relator Jorge Luís Dall'Agnol ajeitou a toga e o microfone para apresentar o voto, Bombeiro permanecia imóvel, como que petrificado e silencioso na assistência; Dilamar balançava nervosamente as pernas e um agitado Dimas já tinha trocado de assento uma dezena de vezes durante pouco mais de meia hora de julgamento. Vestiam traje de passeio e estavam sentados em diferentes fileiras, num plenário quase vazio, onde também observava o julgamento “apenas como espectador” o advogado Paulo Renato Gomes Moraes, que representou o PMDB de Gravataí em ações contra Daniel Bordignon.
– É preciso prova robusta para cassar representantes do voto popular – disse de cara o relator, no que serviu como senha para os três abrirem sorrisos e cerrarem os punhos, como que comemorando o primeiro gol dos outro seis que viriam em sequência.
Como o Seguinte: antecipou antes do julgamento, pelo conteúdo dos votos, e manifestações dos desembargadores e juízes em 12 casos anteriores onde houve unanimidade na absolvição de 11 coligações e políticos, havia um indicativo de que a corte só condenaria com provas consideradas contundentes.
O voto rápido em plenário, conforme o relator “por orientação do presidente do tribunal” para “avançar a pauta”, demonstrava haver, entre os julgadores, um entendimento sobre a matéria.
– Seja em um, ou outro depoimento da principal testemunha, não posso me valer apenas de uma confissão que não encontra prova nos autos – decidiu Dall'Agnol, admitindo que o caso gera dúvida, mas em caso de dúvida, pró réu.
Assim que o voto for publicado, com toda fundamentação do relator, o Seguinte: publicará na íntegra.
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O desabafo dos vereadores
Dilamar foi o primeiro a sair e não quis dar entrevista. Bombeiro e Dimas desceram minutos depois, junto aos advogados, as escadarias do prédio de número 350 da Duque de Caxias. Sorriam, semblantes de alívio.
– Seria uma injustiça punir um vereador eleito por pessoas terem desistido das candidaturas. Concorri pela primeira vez, nunca tinha sido filiado, não participei de nada da organização da coligação. Seria uma punição cruel. Agora é mandato pra frente! – comemorou Bombeiro.
– Justiça foi feita. A unanimidade na reforma da sentença de Gravataí mostra que não tínhamos culpa de nada. É bom saber que dá para confiar na justiça. Só uma pessoa honesta que passa por isso sabe o sofrimento e a angústia – desabafou Dimas.
A Procuradoria Regional Eleitoral tem até a segunda-feira, dia 6 de março, para decidir se recorre da decisão ao TSE. Mas a unanimidade reforça a tese da defesa de que não houve fraude. Nem pizza com laranjada na decisão da corte gaúcha.