Neste Brasil, tudo pode, não dá nada e ninguém está nem aí. Não só neste Brasil, mas no Brasil de sempre. Certo que crise é elogio perto do caos vivido num Rio de Janeiro de bandidos de gravata ou correntão de ouro, mas o segundo estado mais rico do país sofrer uma intervenção federal é um dos momentos mais preocupantes e obscuros, além de inédito nas últimas três décadas de democracia.
Num dia, Brasília acorda com gosto de cabo de guarda-chuva, na ressaca de um Carnaval que acabou com as últimas plumas de popularidade de um presidente que mede a aprovação pela margem de erro. No outro, um general deixa a caserna para mandar ao lado do que sobrou além das olheiras no governador Luiz Fernando Pezão.
Vale um lugar na cantina para quem entende do que se trata esse plano de intervenção, além da obviedade de permitir militares no trecho sabe-se-lá onde e como – e pelo que se vê nas fotos dessas operações, imberbes em sua maioria, praticamente de fraldas verde-oliva. Assisto a Globo, navego por sites, ouço rádios e nada: ninguém parece saber explicar. Flexões para mim, mas vou arriscar: é jogada para a torcida. Pior: drible dentro da própria área cometido por time no Z-4 – se é que ainda falta algo para os governos Temer e do pupilo de Sérgio Cabral serem rebaixados.
Se alguém conhece algum exemplo bem sucedido de intervenção desse tipo, seja onde for, vou para a reserva do jornalismo, no que se tratar desse assunto. Qualquer um que seja metido em pesquisar a segurança pública, que já tenha lido minimamente a respeito, ou melhor ainda, conversado com quem é linha de frente sabe que as polícias militar, civil e federal não batem continência para milicos fazendo um papel que constitucionalmente é das forças de segurança tradicionais: o policiamento ostensivo e judiciário, o atraque e a investigação. Será a guerra dentro da guerra.
E guerra é a palavra da moda na grande mídia, que pelo que percebo, bate não panelas, mas palmas. A animação com qualidade de premiação internacional que a Globo fez, com locução de Lázaro Ramos, assusta, mas não desenha: os cadáveres, como os presos e suspeitos de sempre, são em sua maioria jovens negros CCs do tráfico, que nem essa intervenção com data até o réveillon vai resorver. Pode matar mais. E com julgamento em tribunal militar, que absolve na mesma proporção que o Grande Tribunal das Redes Sociais condena.
Enquanto neste minuto alguém é assassinado no Brasil, assista à animação, que depois concluo, de um jeito que talvez possa te levar a desfazer a amizade comigo.
Uma intervenção federal com um general – Walter Souza Braga Netto – fardado num poder de governador inscreve o dia 16 de fevereiro de 2018 como a data mais próxima que já estivemos de uma ditadura militar – porque chamar de ‘intervenção militar’ é gourmetizar. Não é opinião, é fato. Isso nunca aconteceu depois da redemocratização. E num ano eleitoral! Mais: com o presidente olhando por cima dos muros dos quartéis fluminenses e dizendo que o crime organizado é “metástase nos estados da federação”.
Parece teoria da conspiração? Sim. Provavelmente toda essa pirotecnia intervencionista não dure mais que o BBB e esse alerta provoque vergonha alheia. Mas que é algo inédito e incerto, é. E não podemos esquecer que neste Brasil tudo pode, não dá nada e ninguém está nem aí. Não só neste Brasil, mas no Brasil de sempre, com políticos, milicos, mídia e 'povo' muitas vezes marchando juntos para o desastre, como nos anos perdidos de uma ditadura que nos cobra a conta até hoje.
Remember 64.