A primeira vez que fui à residência oficial da Embaixada do Brasil, lá em Quito, onde vivi de 80 a 95, fiquei deslumbrada com sua arquitetura, com seu jardim e com as obras de arte que havia por toda parte, com destaque para uma coleção incrível de esculturas africanas de madeira negra, que o embaixador-poeta João Cabral de Melo Neto havia reunido no Senegal, o último posto em que servira.
E enquanto eu estava lá, pensando em por que um país pobre como o Brasil gasta tanto com seu serviço exterior, posando de superpotência, entrou no salão em que estávamos um indígena idoso, vestido de mordomo inglês, com luvas brancas e tudo, para perguntar à embaixatriz se o jantar já podia ser servido.
Logo depois, fomos conduzidos a outro salão, onde tive de fazer um esforço descomunal para não ficar o tempo todo com a cabeça virada para cima, de tão impressionada que estava com o teto de madeira esculpido em alto-relevo e folheado a ouro, no estilo barroco quitenho.
Como trabalhava na Embaixada, sabia exatamente por que tinha sido convidada para aquele jantar (diplomatas não pregam prego sem estopa), e que o pessoal do Cerimonial havia ficado horas e horas decidindo o lugar de cada pessoa à mesa, para que as conversas fossem produtivas e agradáveis e não houvesse o risco de ocorrer algum conflito.
Éramos 24 (em um “jantar sentado”, no meio diplomático, o número de pessoas à mesa é sempre par, e o de homens e mulheres, igual) e, enquanto dava uma “bizoiada” nos demais convidados, entrou na sala Umbertito, o mordomo, seguido de dois outros indígenas com uniformes impecáveis de garçom.
E, logo, o jantar estava sendo servido à francesa e eu, ali, imaginando o quanto os três deviam achar engraçada toda aquela “mise-em-scène”.
Antes de sair, dei uma passada na cozinha, para elogiar o trabalho do pessoal que havia preparado o jantar, e lá estava o Umbertito acocorado, em um canto, tirando a comida de uma tigela com a mão, como costumam comer muitos indígenas em suas comunidades.
Tempos depois, eu o encontrei como protagonista do livro Meu tio Atahualpa, em que o folclorista Paulo de Carvalho Neto, que conheceu bem os meandros da Embaixada, relata a história de um mordomo idoso que prepara o sobrinho para substitui-lo.
Eis um dos ensinamentos que o sobrinho jamais esqueceu: “Sempre que fores servir a sopa ao Embaixador, dá uma cuspidinha dentro do prato, pois eu fiz isto uma vez e, naquele dia, ele falou que estava uma delícia”.