3º Neurônio | comportamento

Nina, a cachorrinha que morreu de susto com os fogos de fim de ano

Tha Nunes fez um relato e postou imagens e vídeo no Facebook que causaram comoção no país inteiro

Nina, a cachorrinha de dois anos que morreu de susto com os fogos de artifício estourados por vizinhos de sua dona, em São Paulo, poderá se tornar o símbolo de uma tomada de consciência em favor dos animais, num momento em que levanta uma onda de polêmica nas redes.

A foto da mulher com Nina morta em seus braços reflete a dor que sentem milhões de pessoas quando veem morrer um animal querido. Já os comentários nas redes sobre a dona da cachorra, identificada como Nunes Tha, foram conflitantes. Há quem se tenha solidarizado com ela e os que a recriminam por não ter se prevenido ante a eventualidade do medo de seu animal com os fogos.

Este ano, no Brasil, talvez pela primeira vez, houve prefeituras que eliminaram os fogos ou os promoveram em silêncio como espetáculo somente para a visão. Essa tomada de consciência, alimentada pelos chamados feitos por internautas, ocorreu em vários Estados do país. E as motivações não foram somente o sofrimento que os fogos e rojões causam aos animais domésticos, mas também às crianças pequenas e aos doentes nos hospitais.

É uma tomada de consciência que poderá aumentar e que seria um gol em favor da sensibilidade dos brasileiros, pois, apesar de acusados muitas vezes de se excederem nos maus-tratos aos animais, o país talvez seja o que mais e melhor legislou contra a violência exercida contra eles.

Em um mundo e uma sociedade onde cada vez existe menos respeito em relação aos humanos, alguém poderia considerar estranha essa tomada de consciência em favor dos direitos de uma simples cachorrinha. No entanto, a Humanidade foi crescendo ao longo dos anos, lenta, mas certeiramente na defesa dos direitos das minorias.

Na Roma antiga, os pais, quando um filho nascia, decidiam se era apto ou não para viver. Se não o consideravam apto, jogavam-no contra um penhasco. Em nossa civilização, somente em 1924 foi promulgado em Genebra o primeiro estatuto dos direitos da infância, ratificado em 1959 pelos 77 países que formavam então a Organização das Nações Unidas. Hoje os pais não só não podem decidir sobre a vida ou a morte de seus filhos, como também nem sequer puni-los com castigos corporais. A infância nunca esteve tão protegida.

Mesmo assim, os direitos da mulher são mais recentes do que pensamos. Até não faz muito tempo a mulher estava submetida em tudo ao marido. Não podia em muitos lugares viajar sem sua permissão nem ter uma conta bancária. E é recente em muitos países a liberdade de voto para as mulheres. Somente em 1947 a Comissão de Direitos Humanos da ONU decretou a obrigatoriedade do voto feminino. E ainda hoje não se concede às mulheres em muitos países, começando pelo Brasil, o direito a abortar por opção consciente.

Uma mulher espanhola, casada, maltratada fisicamente pelo marido, ao ser interrogada pela polícia admitiu que, sim, ele lhe batia, mas “só o normal”.

A consciência sobre os direitos das pessoas tem sido uma luta de anos e de sacrifícios que ainda prosseguem hoje com os diferentes, os gays, os negros, os transexuais, os refugiados. O fato de que essa luta se veja muitas vezes ainda dificultada pelos preconceitos atávicos não impede que siga em pé, ainda que cambaleando. Está viva, como revela a luta das mulheres pela conquista de sua autonomia e o combate pelos direitos dos animais.

Por isso, a morte de Nina por causa da selvageria não só dos fogos de artifício artísticos, mas dos simples e inúteis rojões de alguns vizinhos, poderia bem ser um símbolo desse contraste de uma Humanidade que luta por abrir maiores espaços de liberdade para todos, embora seja às vezes com quedas e retrocessos. Em matéria de defesa dos direitos pessoais e coletivos ninguém poderia dizer que “tempos passados foram melhores”, já que nunca houve maior sensibilidade do que hoje.

As pessoas anônimas da Internet que choraram com a mulher que mostrava em seus braços sua Nina morta de susto revelam uma sensibilidade que certamente nenhum de meus avós teve. O mundo melhorou. Não importa que haja quem continue negando isso. A evidência irá se impondo. Tristemente, a luta pelos novos direitos nem sempre se alcança sem vítimas inocentes. Nina foi uma delas.

 

Juan Arias escreve no El País o artigo que o Seguinte: recomenda e reproduz.

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