coluna do silvestre

COM VÍDEO | Um Fórmula 1 feito em Gravataí

Semieixo, ou cardan (no alto da foto, à direita), produzido pela Dana para o primeiro Fórmula 1 verde-amarelo, está exposto na sede da empresa em Gravataí

De parar e estacionar para ler!

Essa é para os veteranos, amantes da velocidade que nasceram, no mínimo, no começo dos anos 60, quando o argentino Juan Manuel Fangio (pentacampeão da modalidade) era para a Fórmula 1 o que seu conterrâneo, o Papa Francisco, é hoje para a Igreja Católica.

Você sabia, por exemplo, que na fábrica da Dana, no segundo andar do prédio administrativo e bem junto à recepção, no Distrito Industrial de Gravataí, tem um semieixo, ou um pequeno cardan, produzido pela Dana – quando ainda era Albarus – para equipar o primeiro e único carro de Fórmula 1 produzido no Brasil?

Isso, há 43 anos!

Pois é! A peça foi feita especialmente para o FD-01, carro desenvolvido pelos irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi Jr e que ficou nacionalmente conhecido como Copersucar. A equipe verde-amarela disputou 104 grandes prêmios a contar da estreia no GP da Argentina, em 1975.

A história começou quando Hugo Ferreira, presidente da Dana da América do Sul até 2004, estava no escritório em São Paulo e foi informado de que Wilson Fittipaldi Júnior, o piloto de Fórmula 1, estava na recepção solicitando uma audiência.

Ferreira, admirador de corridas que acompanhava a categoria desde os tempos de Fangio, surpreendeu-se quando Wilsinho pediu a colaboração da sua empresa para o projeto de Fórmula 1 que ele pretendia construir no Brasil.

Em 1974 a então Albarus vivia uma fase de expansão e desenvolvimento de sua engenharia, portanto um momento oportuno para colaborar no projeto dos Fittipaldi. Uma experiência atraente que se encaixava perfeitamente ao entusiasmo dos seus jovens engenheiros.

 

: Copersucar foi o primeiro modelo de Fórmula 1 com radiadores sob a carenagem

 

O capacete

 

Histórias à parte (confira clicando aqui), nos 30 anos do Copersucar, em 2004, a Dana capitaneou um projeto que reuniu engenheiro da época, mecânicos e projetistas, garimpou peças mundo afora e reconstruiu o FD-01 da equipe Fittipaldi.

— Wilsinho repetiu o mesmo ritual de 18 de novembro de 1974, quando o Fitti-1 entrou na pista pela primeira vez. Calçou as luvas, vestiu a balaclava e entrou no carro com o pé direito, como fizera há 30 anos. Acomodou-se no cockpit com facilidade, colocou o mesmo capacete que tinha estreado no FD-01 e voltou a ser estreante. Sentiu-se num trono, e, se já não estivesse de capacete, notar-se-iam os olhos marejados que embaçavam a viseira — conta um dos textos que está no site da Dana.

E já que esteve presente no lançamento do primeiro F-1 brasileiro, em Brasília, Ferreira também testemunhou em Interlagos o FD-01 reencarnar, com os mesmos semi-eixos fabricados, então, há 30 anos.

O que ele não esperava era sair do autódromo com um troféu. Wilsinho Fittipaldi presenteou o engenheiro com a sua maior relíquia de piloto: o capacete com que competiu na F-1.

 

A trindade

 

As primeiras informações sobre os semieixos da junta universal pedidas por Wilson Fittipaldi e enviadas de São Paulo pelo gerente da Divisão de Diferenciais, Hugo Ferreira, caíram na engenharia experimental da antiga unidade da Albarus no bairro de Sarandi, em Porto Alegre, nas mesas, pranchetas e no entusiasmo de três técnicos.

Francisco D’Ávila, Erni Koppe e Benedito Santoro – um trio de jovens engenheiros que, mais de 30 anos depois – na operação que ressuscitou o FD-01 – eram, respectivamente, gerente comercial, gerente de exportação e consultor técnico da empresa.

 

1 – Francisco de Assis D’Ávila

 

Engenheiro mecânico, aposentado, foi autor do desenho dos componentes e colaborou na construção e desenvolvimento da junta universal do Fitti-1. O popular Chico D’Ávila foi quem relatou a experiência de projetar os semieixos do FD-01.

 

— Nós já fabricávamos a junta homocinética, mas ainda não dispúnhamos dela para carros de competição, principalmente para um Fórmula 1. A missão, então, era a de projetar uma junta universal. Tínhamos de desenhar todos os componentes obedecendo as medidas exatas entre o diferencial (caixa de câmbio) e as rodas traseiras do Fitti-1. Em resumo, tivemos de fazer uma nova pontuva – eixo com entalhes macho -, cruzeta, com furo no meio, para aliviar o peso, mais a luva normal, o garfo, ponteira e flange, mais o desenho do conjunto.

— Tudo isso dentro do rigoroso critério de não ultrapassar o peso limite dos seis quilos em cada um dos dois semieixos (um em cada lado da caixa de câmbio), obedecendo o imutável espaço físico definido entre o diferencial e as rodas traseiras do Fitti-1.

— O primeiro conjunto do cardan foi baseado nos componentes dos veículos Willys, Rural e Jeep, mas não aprovaram. Eram frágeis para resistir ao torque do motor. Refizemos os cálculos, mas dessa vez de posse de informações muito importantes para a resistência dos cardans, que a Fittipaldi não havia fornecido. Entre eles, um dado vital, referente ao ingresso do carro em determinadas curvas, quando mais de 80% da capacidade do motor transfere-se para uma única roda.

— Cientes do fenômeno, passamos a usar a cruzeta e demais componentes do cardan da picape Ford F-100, que já eram reforçados por suportar um torque mais alto. Tivemos, obviamente, que adequá-los para chegar ao limite do peso, pois conforme se aumenta a capacidade de torque a cruzeta cresce de tamanho. Deu certo – e as peças estão lá até hoje, incrustadas no Fitti-1.

 

2 – Erni Koppe

 

Engenheiro mecânico, igualmente aposentado, foi gerente de exportação da Divisão de Cardans e trabalhou por mais de 40 anos no mesmo setor. Chegou a ser o mais antigo funcionário brasileiro da Dana em atividade, com serviços prestados à empresa em pelo menos 88 países. Súdito da exatidão, como a profissão exige, Koppe lembrou que passou 14 anos, 10 dias e 8 horas só se especializando em tratamento de metais, em Sttutgart, na Alemanha. Mas também não esqueceu as artimanhas na colaboração no projeto do cardan do primeiro Fórmula 1, brasileiro. Eis o que Koppe arquivou nas suas memórias.

 

— Foi um desafio sedutor para nós, jovens engenheiros mecânicos da década de 70. Fizemos todos os cálculos baseados nas informações que nos forneceram e metemos mãos à obra. Em 1974 não havia os computadores de que dispomos neste milênio, nos quais basta jogar os dados no sistema que em 20 segundos se tem todo um perfil de qual cardan deve ser usado.

— Então começamos a inventar. Levamos um dia e meio envolvidos nos cálculos, definindo o desenho e esboçando o estudo da junta universal do Fittipaldi Fórmula 1, tirando peso onde era possível. Essa foi a primeira parte do estudo, em que chegamos à conclusão que deveria ser um eixo da série 1310. Essa série era a menor que tínhamos dentro do sistema, na época, para adequar-se ao peso limite dos seis quilos e não comprometer a relação peso-potência do Fitti-1.

— As peças foram cuidadosamente retificadas com toda a precisão, no diâmetro e no comprimento, para dar a melhor vida ao semieixo. Tudo feito com material da nossa linha de produção. Não houve necessidade de usar aço especial ou outra liga fora dos nossos padrões. O desenho sim é que foi diferente dos cardans normais daquela época.

— A cruzeta, por exemplo, foi projetada com um furo no centro e a ponteira do eixo foi aliviada no miolo. Resumindo: para mim foi uma experiência nova, porque na época nós só fazíamos aplicações nos carros de passeio, utilitários e caminhões. Jamais tínhamos nos envolvido com carros de competição – de Fórmula 1, então, nem sonhávamos. Por isso, projetar as peças foi fascinante e fazê-las funcionar foi o melhor prêmio.

— Mas, além de inusitada e divertida, a experiência rendeu lucros técnicos com as pesquisas desenvolvidas no Fitti-1. O mais importante foi a cruzeta com lubrificação permanente, uma tecnologia desenvolvida especialmente para o F-1 brasileiro e que chegou a ser exportada pela Dana de Gravataí para a Europa. Em 2004, os caminhões italianos da Iveco equipam-se com a cruzeta com lubrificação permanente, igual à desenvolvida para o Fitti-1 – com exceção, claro, do furo no meio.

 

3 – Benedito Santoro

 

A terceira pessoa da trindade da Dana que projetou os semieixos para o Fittipaldi F-1, também está aposentado depois de mais de 40 anos de trabalhos prestados na Dana.

 

— Eu fazia o meio-campo. As peças eram desenvolvidas, feitas e testadas em Porto Alegre e enviadas para São Paulo. Dali eu as levava para a fábrica da Fittipaldi em Interlagos. Me impressionava o entusiasmo do Wilson e do Emerson Fittipaldi com o projeto. A vontade de realizar aquele sonho estava no sangue deles.

— E só mesmo com aquela garra conseguiriam construir um carro de Fórmula 1, devido aos recursos disponíveis no Brasil. Eu admirava o pioneirismo da empreitada, porque os entraves eram enormes, naqueles anos 70.

— Sentia esse clima nos assíduos contatos com os irmãos Fittipaldi. Minha missão era reportar para a fábrica os andamentos do projeto do carro e do cronograma do nosso fornecimento. Acompanhei toda a aventura desde os primeiros esboços, a materialização das peças, a montagem do protótipo e os testes do FD-01 em Interlagos.

— Só não sentei no carro porque não cabia no cockpit. Mas foi ótimo ter acompanhado o nascimento do primeiro Fórmula 1 brasileiro e voltar a vê-lo, restaurado, 30 anos depois. Uma iniciativa feliz que coincide com o centenário de Clarence Spicer, o homem que inventou a cruzeta.

 

Depoimentos fonte: Dana.

 

Na aldeia

 

E a peça que há 30 anos havia sido produzida especialmente para o bólido dos dois irmãos corredores acabou vindo para Gravataí, como um troféu orgulhosamente exposto à entrada do setor administrativo da unidade-mór da empresa, que fica justamente aqui na aldeia dos anjos.

 

Quem conta um pouco sobre a peça para o Seguinte: é Luis Pedro Ferreira, diretor de Relações Institucionais da Dana para a América do Sul.

 

 

 

 

 

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