Em 30 minutos dá sim para contar uma boa história. Aliás, dá para contar uma história em cinco minutos, basta que ela seja bem contada!
Esta é a visão que tem a professora Scheiler Fagundes Carvalho, multipremiada no Festival de Teatro Estudantil de Gravataí (Festil) com um grupo de alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Morada do Vale, o Ciep MV I, como melhor diretora
Além disso, por três anos consecutivos as peças que ela dirigiu ganharam o Festil como ‘Melhor Espetáculo Juvenil’. Sem contar os prêmios de ‘Ator/Atriz Revelação’, ‘Maquiagem’ e ‘Trilha Sonora’, entre outros troféus recebidos nas três edições das quais participou.
Professora da disciplina de História, Scheiler tem especialização em Arte e Educação e é mestranda em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ela também fez residência, é atriz, e ensina teatro no grupo Depósito de Teatro, em Porto Alegre.
Casada, mãe de duas filhas, uma delas integrante do grupo teatral da escola, ela garante que o que faz no Ciep da Morada do Vale I “é por amor”. Os ensaios são extracurriculares, quase sempre à noite, e ela não ganha nada pela atividade.
— É tudo ‘no amor’. Os pais transportam os filhos, a gente banca as despesas e não recebemos nada. Nem como professor de salário parcelado do estado — diz, referindo-se à maneira que o governo gaúcho encontrou para fazer frente à crise financeira dos cofres públicos e pagar os salários do funcionalismo.
Esforço pessoal
O objetivo das atividades, que normalmente têm início junto com o ano letivo, em março, é pedagógico de acordo com a professora. Atualmente são 12 alunos envolvidos, do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, na faixa etária dos 14 aos 18 anos.
Scheiler destaca que o festival de Teatro Estudantil de Gravataí tem importância, sim, no contexto pedagógico e social, e que, como tal, deveria fazer parte da política de governo do município com apoio aos diversos grupos de teatro que existem no município.
— Infelizmente não é isso que acontece. Todo ano é uma briga para poder realizar o Festil que só sai, na verdade, porque tem muito esforço pessoal envolvido, de muita gente que não é político — lamenta Scheiler.
Sociedade hipócrita
A linha das oficinas ministradas pela professora-atriz-teatróloga-diretora da escola Ciep MV I, segundo ela mesma enfatiza, é de política social. O trabalho foge ao convencional do teatro porque, segundo ela, a juventude tem demandas contemporâneas que não se prendem mais ao clássico, como, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho.
— A escola é pública e o teatro é uma forma de comunicação e de transformação — afirma.
As peças dirigidas por Scheiler e que venceram os três últimos anos de retomada do Festil são uma livre construção a várias mãos. Envolvem pesquisa de texto, expressão corporal, viés social, e têm a finalidade de ‘dialogar’ com a assistência.
A primeira, que ganhou o 16º Festil, foi ‘A Pena” e teve cunho feminista, falando das mulheres apenadas, condenadas, com uma abordagem relacionada aos direitos humanos. A segunda – ‘Corta’ – foi um trabalho com enfoque na censura e na tortura que marcaram o período da ditadura militar no Brasil.
E agora, na 18ª edição do festival, a produção foi ‘A Cegueira’, uma livre interpretação da obra do escritor português José Saramago ‘ Um Ensaio Sobre a Cegueira” que fala sobre ‘a treva branca’ que se espalha e reduz os cegos confinadas em quarentena às trevas da essência humana.
— O que fizemos foi transportar esta cegueira para os dias atuais ao falarmos sobre o quanto as intolerâncias de todos os tipos, por exemplo, cegam a sociedade como um todo e a tornam hipócrita — explicou a diretora vencedora.
IMPORTANTE
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O nome do grupo teatral da escola da Morada do Vale I é “Ciep Encena – Escola pública faz teatro”.
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A professora Scheiler Fagundes Carvalho é educadora há 10 anos e trabalha na escola Ciep MV I há três anos.
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O objetivo de promover as oficinas e organizar um grupo e as apresentações teatrais tem a finalidade de promover a valorização da escola pública. “Mesmo que a escola publica esteja sucateada”, destaca.
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O cenário utilizado pelo grupo nas apresentações é minimalista. Cabe no porta-malas de um carro e geralmente é transportado pelos pais dos alunos que fazem parte do “Ciep Encena”.
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Depois de vencer pela terceira vez o Festil, já surgiram convites para apresentação de ‘A Cegueira’. No dia 7 passado foi na Faculdade de Educação da Ufrgs e sábado, dia 9, no Teatro do Sesc de Gravataí.
OS MELHORES
O palco do Teatro do Sesc de Gravataí recebeu na noite de sábado a apresentação dos melhores espetáculos do Júri Oficial do 18º Festival de Teatro Estudantil de Gravataí das categorias Infantil e Juvenil.
Com casa cheia, a apresentação reuniu os dois grupos que conquistaram o primeiro lugar em cada categoria. O espetáculo ‘Um Conto de Bruxas’, vencedor da categoria Infantil, do Grupo Arteiros, da Escola Municipal de Ensino Fundamental São Marcos, com direção de Germano Braun, e na categoria Juvenil a premiação de Melhor Espetáculo ficou com a peça ‘A Cegueira, um ensaio sobre o fim’, do Grupo Ciep Encena, com direção de Scheiler Carvalho.
Festil de Teatro
O 18º Festil aconteceu de 20 a 23 de novembro reunindo mais de 500 alunos em mais de 30 apresentações teatrais do festival que há quatro anos foi retomado. Cerca de 3,5 mil pessoas assistiram aos espetáculos gratuitamente.
Confira abaixo a entrevista da professora Scheiler para o Seguinte:.
A OBRA DE SARAMAGO
: Um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. É o primeiro caso de uma 'treva branca' que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos se perceberão reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.
: O 'Ensaio Sobre a Cegueira' é a fantasia de um autor que faz lembrar 'a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam'.
: José Saramago escreve uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti.
: Cada leitor vive uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, Saramago obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto
: Essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: ´uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos´.