Terminei de ler, dias atrás, um livro que me fez chorar como há muito tempo não chorava. O leitor de Júlio Verne, da espanhola Almudema Grandes, ainda não editado no Brasil, é um romance grandão, daqueles que a gente resiste um pouco a enfrentar.
Mas ao folheá-lo, em uma livraria, instigada pelo título (Júlio Verne foi um dos meus autores preferidos na adolescência), fui irremediavelmente fisgada já no começo do primeiro capítulo.
Há livros que começam com uma descrição entediante do cenário em que se movem os personagens, o que me faz saltar páginas e páginas, sem qualquer consideração ou remorso, embora eventualmente me sinta forçada a voltar atrás, ao perceber que sua leitura é importante para a compreensão da trama.
Mas havia, ali, uma questão perturbadora: a presença do vento, tão forte que mais parecia um personagem: “No meu povoado, o inverno começava quando queria o vento, quando ao vento lhe dava vontade de nos perseguir pelas vielas e de nos arranhar a cara com suas unhas de cristal, como se tivesse alguma velha conta a ajustar conosco, uma dívida que não se quitava até a madrugada, porque seguia zumbindo sem descanso, do outro lado das portas, das janelas fechadas, para parar, de repente, como farto da sua própria fúria, em uma hora em que até os insones já dormiam…”.
Lembrei-me, de imediato, daquele vento gelado que atormenta os indígenas que vivem na encosta do vulcão Chimborazo, lá no Equador —onde morei por um largo tempo da minha vida—, obrigando-os a proteger as carinhas das crianças com uma grossa camada de sebo de carneiro, para evitar dermatites.
Mas voltando ao livro, a história, baseada em fatos reais, é contada na primeira pessoa pelo menino Nino, filho de um guarda civil, criado na casa-quartel de um povoado da Andaluzia, nos tempos da ditadura do Generalíssimo Franco. Sem entender por quê, o menino não consegue se encaixar naquele ambiente, nem aceitar a subserviência de seus pais e dos vizinhos aos poderosos de plantão.
Mas a amizade com um forasteiro que se instala no povoado e a leitura de novelas de aventuras emprestadas por uma professora o fazem ver uma realidade que até então negara: os inimigos de seu pai não são os seus inimigos.
E por que chorei tanto ao ler esse livro? Porque tudo, tudo, nele, me remeteu aos tempos sombrios que estamos vivendo, no Brasil. E percebi que tinha, aqui dentro, engasgado, um choro a que precisava dar vazão, que vem da pena imensa que sinto do meu país atualmente.