um choque de realidade

Separar o Sul é uma ideia ridícula

Com a confusão envolvendo a possível separação da Catalunha da Espanha, o antigo movimento O Sul é Meu País voltou às notícias com mais um de seus plebiscitos extraoficiais sobre a independência dos três estados do sul brasileiro.  Apesar de o resultado ter indicado mais de 95% dos votos no “sim”, esse número está longe de indicar qualquer apoio massivo da população sulista à separação. Compareceram apenas pouco mais de 350.000 eleitores (dos mais de 20 milhões de eleitores registrados na região Sul), o que dá pouco mais de 1% de comparecimento. Como quem participa dessas ações já é quem defende esse tipo de causa, não é de estranhar o número extremamente alto de votos pela separação.

A ideia de que um povo tem o direito a constituir um Estado independente é relativamente recente, tendo base nas ideologias liberais, nacionalistas e românticas que se espalharam pelo mundo no século XIX, mas só foi encontrar um forte apoio quando o presidente progressista norte-americano Woodrow Wilson, na esteira das conferências de paz que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, defendeu o direito dos povos à autodeterminação. Assim, dezenas de novos países surgiram com o desmantelamento dos impérios alemão, otomano e austríaco, derrotados na referida guerra. Eu, particularmente, não tendo a acreditar que coletividades tenham direitos, como a autodeterminação, pois é só pensarmos nos banhos de sangue apelidados de “limpezas étnicas” que ocorreram no século passado com base nesse princípio para percebermos que essa ideia, apesar de bonita, não é tão inocente assim.

Agora, no caso sulista, nem é necessário discutir a validade da ideia de autodeterminação, porque não há povo algum aqui. Nós, sulistas, somos tão brasileiros quanto nordestinos e cariocas: falamos a mesma língua, temos, historicamente, a mesma religião e um passado institucional comum, que remonta ao Império Português. É certo que para cá vieram mais imigrantes europeus do que para outros pontos do país, mas a imensa maioria deles já se miscigenou com a população de origem luso-brasileira, negra e indígena que aqui já habitava (é só lembrar quantos carregam sobrenomes italianos, polacos ou alemães ao lado de um sobrenome tipicamente português) e se integrou quase que totalmente à nova realidade. Hoje, são indubitavelmente mais brasileiros do que europeus. O argumento separatista é tão ridículo que o novo “país” nem nome teria, se chamaria “Sul”. Pense nos outros povos oprimidos e sem Estado (curdos, palestinos, etc,): você consegue lembrar de algum que não tenha um nome, como os “sulistas”?

O principal argumento catalisador dos defensores separação é o econômico: o Rio Grande do Sul, por exemplo, pagou, em 2009, algo como R$ 22 bilhões em impostos federais, mas recebeu de volta apenas R$ 9 bilhões em transferências diretas ao estado e municípios, gerando uma diferença de pouco menos de 13 bilhões. Enquanto isso, estados do Norte e do Nordeste tendem a receber mais recursos do que contribuem (A Bahia, por exemplo, no mesmo ano, pagou pouco menos de 10 bilhões e recebeu pouco mais de 17 bilhões). Antes de entrar nos detalhes do porquê este cálculo é enganoso, lembro que os repasses vêm do Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios – nos anos 1970, a ditadura militar definiu que dois terços desses recursos seriam destinados ao Norte e Nordeste, regiões menos desenvolvidas e apenas um terço ao Centro-Sul – que, por ser mais rico, em tese, necessitaria menos dos repasses federais. A justificativa era a integração nacional, levando ao desenvolvimento das regiões atrasadas. Certamente, também contou o fato de que as maiores bases eleitorais da ARENA, partido que sustentava a Ditadura Militar, estavam nesses estados. É só lembrar da família Magalhães, na Bahia, da família Sarney, no Maranhão, e da família Collor, em Alagoas. Desde então, essa proporção mais ou menos se mantém.

Ocorre, porém, que a conta que leva a uma diferença de 13 bilhões entre o que pagamos e o que recebemos, em 2009, leva em consideração apenas os repasses diretos para Estados e Municípios, esquecendo todos os outros gastos que a União tem no estado. Para ficarmos em alguns exemplos, apenas o orçamento das universidades e institutos federais situados no RS supera, facilmente, os 4 bilhões. O gasto com o SUS no RS também está na casa dos bilhões. De Bolsa Família dá pouco menos de 1 bilhão. A manutenção das bases aéreas de Canoas e Santa Maria e das dezenas de quartéis espalhados pelo território gaúcho deve consumir outros tantos bilhões. Isso sem nem citar os novos gastos que um Sul independente teria que bancar: por exemplo, uma polícia federal “sulista”, uma Casa da Moeda, um Banco Central, Congresso e Senado, dezenas de embaixadas e consulados espalhados mundo afora, etc. Quando levamos tudo isso em consideração, a conta, no mínimo, empata.

Além disso, teríamos outro impacto econômico, caso o Sul se tornasse independente. As empresas gaúchas e dos outros estados do Sul, que, hoje, podem vender para todo o resto do Brasil, sem pagar impostos de exportação, passariam a ter que fazê-lo, o que nos privaria de um importantíssimo mercado de mais de 180 milhões de pessoas, contra pouco menos de 30 milhões que ficariam no Sul. Da mesma foram, passaríamos a pagar mais caro para comprar o que o resto do Brasil nos vende: desde o suco de laranja, aviões da EMBRAER ou carros do ABC paulista, até açúcar do Nordeste, açaí da Amazônia, etc. Ah, também teríamos que pedir visto para passar as férias na Bahia ou nas cidades históricas de Minas Gerais. É ou não uma péssima ideia?

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