contratos assinados

NOVO MUNDO | Casa nova, vida nova para 99 famílias

Preta assina um dos 99 contratos de posse de casas que abrigarão 500 pessoas de baixa renda

A vida é pra valer

E não se engane não, tem uma só

Duas mesmo que é bom

Ninguém vai me dizer que tem

Sem provar muito bem provado

Com certidão passada em cartório do céu

E assinado embaixo: Deus

E com firma reconhecida!

Heresia, mas o Samba da Bênção, clássico do poetinha Vinicius de Moraes, poderia ser reescrito nesta manhã e tarde, em Gravataí. 99 famílias assinaram, com certidão passada em cartório e firma reconhecida, não por Deus, mas na Igreja Encontros de Fé, os contratos da casa própria. Todos pobres, sobreviventes em meio ao lodo e lixo da Vila Maria, começam em poucos dias uma segunda vida no Novo Mundo – nome perfeito para o colorido residencial onde vão morar, na mesma vizinhança, próximo da Freeway, na divisa de Gravataí com Cachoeirinha.

– Sonhava com isso. E agora está tão perto… – comemorava, num sorriso salgado por lágrimas, a Preta. Ao lado de Miriam dos Santos, Marilei da Silva Nunes foi uma das escolhidas como representante dos quinhentos vizinhos para assinar o contrato numa mesa montada em frente ao altar.  

– Essa vai para a Rede Globo – brincaram com a doceira que sustenta a família com pouco mais de um salário mínimo por mês e foi estrela de reportagem do Seguinte: que há um mês e um dia mostrou a vida difícil da comunidade rotineiramente expulsa de casa pela força das águas e a sujeira da área onde a natureza não quer ninguém morando, sob céu cortado por ameaçadores fios das redes de alta tensão, às margens do arroio Barnabé.

 

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Um cantinho

 

– Todo ser que nasce nesse planeta procura seu ninho, seu cantinho. A moradia talvez seja a busca mais importante da vida de uma família. Ter a casa própria, com água, esgoto e luz, é um momento para celebrar – resumiu o prefeito Marco Alba, sobre o projeto de R$ 6,5 milhões, enquanto sorrisos e brincadeiras das crianças iam tirando dos rostos e do ambiente a desconfiança de uma gente que há 11 anos ouvia dos políticos a mesma história sobre o tal de “amanhã”.

– 40 anos sem cuidar do problema levaram a uma fila de 12 mil pessoas vivendo em sub-habitações. Em cinco, o prefeito está entregando essas 99 casas e mais 2.025 no Breno Garcia – comparou Luiz Zaffalon, secretário de Projetos Especiais e gerente do empreendimento, projetando também para este ano a entrega do loteamento que parece uma cidade na parada 103 da RS-030.

 

Minha casa

 

Após a bênção do pastor Márcio Santana – que acolheu no mesmo saguão da igreja evangélica da 64 muitos dos que ali estavam, quando do flagelo das cheias de 2015 e 2016 – os vilamarianos tiveram sua primeira experiência de vida em condomínio.

Claus dos Santos, gerente de habitação da Caixa Federal, que pelo programa Minha Casa, Minha Vida subsidia 95% de cada moradia, permitindo aos novos donos que paguem R$ 5 mil, em 10 anos, por imóveis avaliados em R$ 70 mil, fez um jogral:

– De quem é a casa?

– Minha! – respondiam, em coro.

– Pode vender?

– Não!

– Pode alugar?

– Não!

– Pode emprestar?

– Não.

– Estamos fechados então? – perguntou, alertando que denúncias de negócios serão investigadas pela Polícia Federal e, comprovadas, levarão à perda dos imóveis de 48m², com sistema que utiliza o calor do sol para aquecer a água.

– Siiiiiiim!

Sobreviventes de uma área iluminada e abastecida por ‘gatos’ de luz e água, os moradores foram alertados também para a necessidade de pagamento em dia das contas que agora chegarão ao CEP 94075-500, Rua da Nutrella, cujas chaves devem ser entregues na próxima semana.

– Estamos brigando com Brasília para liberarem segunda ou terça – adiantou Claus, cobrado pela irrequieta dona Sueli dos Santos, veterana moradora da Vila Maria que fazia uma pergunta atrás da outra e não consegue mais cruzar o valo com a queda do pontilhão.

– Acalma o coração. Não passa de 10 dias. Tua casa está garantida, Sueli – tranqüilizou Luciane Ferreira, secretária adjunta da Habitação, que há quatro anos convive com as famílias, mais do que com a própria, como brinca. Da mesma forma que Vania Sarate, assistente social apontada como uma das incansáveis no atendimento às famílias.

– Vamos oferecer bolsas e oportunidades para conclusão do ensino fundamental e médio. Também buscaremos treinamento e encaminhamentos para empresas como a Nutrella, onde muitos já trabalham. Além de adaptá-los a um plano sócio-territorial, que ajuda desde à vida em comunidade e higiene do residencial, até o uso dos espaços e pagamento das taxas. Não vamos só entregar as chaves e dizer “agora te vira”.

 

Aquele dia de setembro

 

Janice Terres, agente da Neves Administradora Condominial, contratada pela Caixa para nos próximos 12 meses ajudar as famílias a ajustarem as regras do condomínio participou da reunião e esclareceu à dúvida mais freqüente: puxadinho, pode?

– As casas estão completas. Não precisa e não dá para construir ou alterar os imóveis – explicou, pouco antes das 99 famílias entrarem tarde adentro votando a escolha de um síndico e seis integrantes do conselho administrativo do Residencial Novo Mundo.

Personagem das rodas de conversa, Paulo Ricardo de Abreu Vaz, 53, era um dos cotados para o cargo de meio salário mínimo, mas não queria. Com apenas a terceira série completa, e se apresentando como semi-alfabetizado, o jardineiro e pintor tinha dedos apontados para ele por ter a incrível habilidade de fazer cálculos matemáticos complexos mais rápido do que se tecla uma calculadora. Como hobby, lembra de nascimentos e mortes de familiares, amigos e personalidades. Atualmente, a data que ele mais quer lembrar é o dia de setembro de 2017 em que vai girar a chave na porta da casa nova pela primeira vez.

 

Confira imagens e entrevistas – inclusive a do Ricardo, o 'cara das datas'

 

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