Quando ele tinha a pizzaria ali na avenida Dorival de Oliveira, bem na frente do Parcão da 79, eu era um frequentador de relativa assiduidade. Pedia, invariavelmente, pizzas portuguesa, de bacon ou coraçãozinho.
Eu gostava do ambiente e do papo que tinha com o dono, pessoa quase desconhecida se for identificada apenas como Ilton Pereira da Silva, mas muito mais popular que moedinha de um real se for chamado de Pandollo.
Tão popular como o dono da Pizzaria Pandollo que ele mesmo admite:
— Acho que as pessoas que cruzam por mim na rua enxergam uma pizza, e não o Ilton — conta, se divertindo.
Pandollo é uma daquelas figuras que se destacam na cidade e que, quando somem, muita gente quer saber por onde anda. É ele que abre esta nova série – entre as várias outras que você vai começar a ver aqui no Seguinte: – chamada, justamente, de “Por onde anda?”.
O tutor da cadela Atena, da raça Akita, natural de Viamão e morador de Gravataí por quase toda vida, aos 58 anos, é um corretor de imóveis formado em Administração de Empresas, pela Faculdade São Judas Tadeu, desde 1983.
Filho de um taxista-comerciante-açougueiro-dono-de-lancheria falecido em 2011 e de uma dona de casa, de 84 anos, Ilton, o Pandollo, foi office-boy, auxiliar de escritório em uma agência bancária, caixa em uma agência de financiamento imobiliário, teve uma pizzaria lá perto da Catedral Nossa Senhora dos Anjos, se aventurou como pizzaiolo em Camboriú, Santa Catarina, e foi dono da famosa Pizzaria Pandollo.
Três ambientes
Na frente do Parcão da parada 79 da avenida Dorival de Oliveira ele ficou de outubro de 1998 – nem existia o parcão ainda – até março de 2014 quando fez o caixa pela última vez e passou a chave na porta principal. Ele não contou se houve lágrimas nessa ocasião mas, certamente, muita gente sentiu falta da pizza de massa fina e crocante, farta em condimentos e com recheios sempre bem preparados.
Eram três ambientes.
Quem entrava, se fosse em frente, parava no balcão onde ele tinha o caixa com muitos papéis, onde atendia aos pedidos para as tele-entregas, e local certo daqueles que procuravam o Ilton para, entre outros assuntos, discutir política com o Pandollo. Tanto que aquele local chegou a ganhar o singelo apelido de “senadinho”.
Continuando a apresentação da casa para quem não a conheceu. Da mesma forma, quem cruzasse a entrada principal e ingressasse na porta imediatamente à direita, encontrava o salão, não muito grande, onde muitas festas de aniversário foram realizadas, muitas bodas de casamentos foram comemoradas e, com certeza, vários namoros engatilhados.
E quem entrasse na porta imediatamente à esquerda acessava ao pátio onde estavam dispostas várias mesas nas quais os frequentadores se espalhavam em rodadas de cerveja com picadinhos, dando altas risadas a cada piada suja, ou nem tão suja, contada já ao final da noite, as vezes com voz pastosa e língua arrastada.
Nem o prédio existe mais.
No local parece que seria instalado um estacionamento. Mas não tem nada funcionando.
Por que fechou?
— Ah, eu tive que fechar por algumas razões. Uma conjugação de fatores. Por exemplo, nos últimos tempos os clientes não tinham nem como estacionar aqui na frente. Então nem vinham. Eu já estava cansado depois de tantos anos, uns 30 anos, trabalhando até tarde da noite e no outro dia tendo que levantar cedo para repor estoque, fazer mercado, serviço de banco… E eu não investi direito, não segui o mercado e o mercado na volta não perdoou! — contou, explicando porquê a Pandollo deixou de ser aquele ponto de encontro entre uma pizza e uma Coca-cola se discutia a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, um petista.
Puxa! Um petista no comando do Palácio do Planalto!
O Lula-lá… Defendido com unhas, garras, dentes, pelos e cabelos (o Pandollo ainda tinha cabelos) pelo dono da pizzaria. Em discussões acirradas com quem quer que fosse a pessoa, cliente tradicional ou não, amigo ou não, engravatado ou com calças puídas. E o Pandollo sempre tinha – e os tem até hoje! – argumentos para sustentar sua posição política, sua ideologia.
Dissabores
E foram estas posições políticas, radicais e extremistas para os que se opunham ao seu pensamento, que lhe trouxeram alguns contratempos. Como o dia em que fiscais da saúde, com apoio de policiais da Brigada Militar, foram inspecionar um estabelecimento próximo. Ao chegarem, o local estava fechado.
Para Pandollo, houve informação privilegiada e naquela noite o estabelecimento alvo da fiscalização não abriu as portas.
— Eu estava na frente quando eles chegaram. Não era comigo, nem parei para ver. Ao contrário, vim aqui para o pátio para fazer uma brincadeira com dois clientes, e um dos brigadianos viu, achou que eu estava fugindo e veio atrás, me intimando e querendo saber o que eu tinha para esconder e porque estava fugindo.
Foi quando a pizzaria foi inspecionada e interditada pela primeira vez. Resolvidas as razões da interdição que, segundo diz, não eram muitas e nem graves, a casa voltou a funcionar. A fiscalização voltou a bater e fechou a Pandollo de novo, por outras razões, logo equacionadas. É a perseguição que, acha, resultou de suas posições políticas.
— Esse lance de debater política na pizzaria pode ter atrapalhado, sim, os negócios. Mas não tenho arrependimento nenhum disso — garante, sustentando que no seu perfil no Facebook os ferrenhos e acalorados embates político-partidários nunca lhe trouxeram problemas.
Salvo algum amigo-nem-tão-amigo que deixou de ser amigo. Mas, daí…
Clique na imagem e acesse o perfil do Pandollo na rede social.
História & pirâmides
Ao mesmo tempo em que garante que não se arrepende das decisões que tomou ao longo da vida, e que se tivesse que ser dono de restaurante-pizzaria desde que pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo, Pandollo diz que hoje, do alto de seus quase 60 anos, quer viver melhor.
Ele pensa em voltar ao comércio. Mas quer algo mais light. Uma loja de ferragens, com produtos pet, quem sabe. Até “um ponto” para se estabelecer com o negócio ele tem em vista, mas isso depende de uma transação que quer fazer. Como os tempos andam bicudos, talvez isso demore algum tempo ainda.
Mas o que ele quer mesmo é viver melhor. Ter mais tempo para aproveitar o dia e os finais de tarde. Curtir mais a família e os amigos, quem sabe gozar de períodos mais longos de férias, passear por aí, conhecer o Brasil, realizar a viagem dos seus sonhos.
— Se eu pudesse eu gostaria de conhecer o Egito, principalmente as pirâmides. Sempre gostei muito de história e sou fã de documentários que assisto sempre que posso — diz o Ilton Pandollo.
Sobre a vida, de um modo geral, vivendo seu terceiro casamento, o pai de uma enteada que é advogada e de uma filha biológica que é cabeleireira, diz que a vida tem sido generosa para com ele.
— A vida tem sido boa pra mim, sim, por tudo que eu já vivi, apesar dos trabalhos e dificuldades enfrentadas. O importante é que estou bem, tenho planos e vou ficar melhor ainda, e não preciso atravessar a rua para evitar de cruzar com alguém na mesma calçada — resume.
E os ciganos
E das lembranças da pizzaria, o que primeiro vem à lembrança do Pandollo? O dia em que ele deu “um nó” em uma família de ciganos que era cliente de tele-entrega de pizzas. Num determinado dia, eles pegaram a pizza levada pelo motoboy, não pagaram e botaram o rapaz a correr.
Na primeira oportunidade que teve, ele deu o troco. Mas isso é uma história para conferir no vídeo abaixo.
Veja o bate-papo do Ilton Pereira da Silva, o Pandollo, com o Seguinte:!