Foi nas primeiras décadas dos anos de 1900. A vizinha Canoas sequer tinha se tornado município ainda, o que aconteceu em 27 de junho de 1939, há 78 anos, portanto. A emancipação se deu de São Sebastião do Caí e da parte de Gravataí que costeava o Rio Gravataí até onde ele se encontra com o Rio Jacuí, ponto onde hoje está a ponte estaiada da Rodovia do Parque, ou BR-448.
O nome do município ainda era Gravatahy.
Não há informações disponíveis sobre quando se deu a construção, no município de Gravataí de então, daquele que foi considerado o maior frigorífico do gênero – abate para produção de embutidos, banha e carne de suínos – que comercializava seus produtos com vários municípios do Rio Grande do Sul e exportava até para a Europa, mais precisamente para a Alemanha.
Era chamado por uns de Matadouro Gravatahy. Por outros de Frigorífico de Gravatahy.
Visita histórica
O que se tem de registro histórico acerca do maior empreendimento industrial-comercial do começo do Século XX é uma reportagem publicada pelo jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, em 7 de maio de 1939, por ocasião da visita ao local realizada por dois economistas alemães.
Identificados apenas como “drs Becker e Kopelmann”, ambos haviam chegado ao estado na sexta anterior, em 5 de maio, com objetivo de visitar empresas gaúchas visando estreitar as relações comerciais do Rio Grande do Sul com a Alemanha do führer Adolf Hitler. O mesmo que, menos de quatro meses depois, mandaria os exércitos alemães invadirem a Polônia dando início à II Guerra Mundial.
A visita de Becker e Kopelmann foi motivo de reportagem de página inteira do velho “correião”, aquele Correio do Povo das páginas grandes que os mais antigos conheceram, chamadas de standard no meio jornalístico e praticamente o dobro do tamanho da página tablóide, que é o formato de hoje das páginas de Zero Hora, por exemplo.
: O Seguinte: foi pesquisar no velho “correião” a reportagem sobre o frigorífico de Gravataí
Cronograma
Não há data exata conhecida para a formação da Sociedade da Banha Sul Riograndense Ltda, mas é certo que em 1936 a já existente empresa Oderich se associou à organização. Os irmãos Carlos Henrique Oderich, Ernesto e Max, ocupavam cargos destacados nesta grande e, então, ‘modelar empresa’.
Foi mais ou menos nesta época que a Sociedade da Banha incorporou os Frigoríficos Nacionaes, investindo cerca de 30 mil contos de réis na margem direita do Rio Gravatahy em um matadouro gigante (o Matadouro, ou Frigorífico de Gravatahy) que dispunha até de linha férrea para receber e expedir mercadorias, estação de tratamento de água, geração própria de energia e uma vila com mais de 70 casas destinadas aos operários.
O nome Frigoríficos Nacionaes voltou a surgir cerca de três ou quatro anos mais tarde, no começo dos anos 40, quando a ex-Sociedade da Banha passou a denominar-se Frigoríficos Nacionaes Sul Brasileiros Ltda, empresa que continuava capitaneada pelos Oderich que expandiam atividades e matadouros para industrialização da carne, especialmente bovina e suína.
25 graus negativos
O empreendimento que outrora colocou Gravataí no mapa mundial do comércio de carnes e embutidos, pela reportagem da época, ficava a “…margem direita do Rio Gravatahy, nas proximidades desta capital, onde se alteia a imponente estructura architectonica, que são os Frigoríficos matadouros, dotados de moderna machinaria com todos os aperfeiçoamentos introduzidos nos ramos da industrialisação technica, economica e racional do suino.”
O que foi mostrado aos economistas alemães na visitação de cerca de duas era gigantesco. Havia, já naquela época, transportadores aéreos dos animais abatidos, as chamadas salas de matança, de sangria e de limpeza dos animais, além de esquartejamento, “trabalho este que sempre é feito na presença de veterinarios, para examinar detidamente os animaes sob o ponto de vista sanitario”.
Em uma das muitas “camaras frigorificas” os visitantes, doutores Becker e Kopelmann, fizeram questão de entrar apesar de a mesma estar marcando 25 graus abaixo de zero, algo raro mesmo nos mais modernos estabelecimentos comerciais de então. Havia a salsicharia, extensos compartimentos de defumação de presuntos, e eram tratadas como “admiraveis” as “secções de ar condicionado” e os depósitos de salames com capacidade para estocar dois milhões de quilos, o equivalente a duas mil toneladas.
Nomes e foto
Pelo texto do CP:
“Á chegada, foram os notaveis economistas recebidos pelos directores dos Frigorificos Nacionaes, entre os quaes se encontravam os srs. Ernesto Oderich, Frederico Trein, Pierro Sassi e Fidelis Simon, bem como os srs. Max Oderich, da firma Carlos H. Oderich, superintendente do importante estabelecimento que estava sendo visitado, Luiz Siegmann e Max Ertel, diretores da firma local Bromberg S. A., Edgar Hausse, o chefe de publicidade do ‘Correio do Povo’ e muitas outras cujos nomes não foi possivel obtermos”.
Outra curiosidade, ainda do CP:
“Depois de feitas as necessarias apresentações, o nosso companheiro que ali se achava convidou aos srs. drs. Becker e Kopelmann, dr. Ried, consul da Allemanha, bem como aos directores do importante estabelecimento e demais pessoas que se encontravam aguardando a chegada dos altos representantes daquella nação, afim de ‘posarem’ para a objectiva do ‘Correio do Povo’ ”.
Traduzindo, foram chamados para uma foto oficial!
: Reprodução de trecho da reportagem publicada pelo Correio do Povo em 1939
Os números
1
As “machinas” que produziam toda a energia “electrica” consumida no maior frigorífico da América do Sul queimavam exclusivamente carvão nacional, transportado de trem desde o município de "São Jeronymo".
2
Eram consumidas em média 40 toneladas de carvão por dia, e os geradores – chamados de turbinas – acionados por quatro compressores que produziam cerca de 1,5 milhão de calorias, forneciam força equivalente a 250 cavalos.
3
As salas de depósito de salames e outros produtos – defumados ou embutidos – tinham capacidade para estocagem de 2 milhões de kilos, conforme a grafia utilizada na época.
4
As obras do Frigorifico de Gravatahy receberam um investimento de 30 mil contos de réis (ou 30 milhões de réis), moeda utilizada no Brasil até 30 de outubro de 1942.
5
O Frigorifico de Gravatahy tinha capacidade para abater aproximadamente 2,4 mil suínos a cada oito horas de trabalho. Não foi informado o número de trabalhadores que a empresa tinha na época da visita dos economistas alemães.
6
No dia da visita – a reportagem publicada num domingo também não conta se aconteceu na mesma sexta em que Becker e Kopelmann chegaram ao estado ou no dia seguinte, sábado – um dos depósitos tinha 50 mil caixas com bacon pronto para serem embarcadas para a Alemanha e havia outro com 150 mil caixas de banha para abastecer o mercado do Rio Grande do Sul.
7
Um dos planos da direção da empresa Frigorificos Nacionaes era construir um cais na frente de seus pavilhões para atracação de vapores facilitando o transporte de mercadorias.
8
Outra meta era ampliar a vila operária que já tinha cerca de 70 moradias – ‘entre ellas algumas de estylo “bungalow”, de moderna construcção’ – e terminar a obra de uma casa que serviria de escola para os filhos dos empregados.
9
O megaempreendimento possuía uma “hydraulica”, como era chamada o que é atualmente uma estação de tratamento d’água, com capacidade para tratar em torno de 150 mil litros de água extraída do Rio Gravataí, por hora.
10
No local ainda eram produzidas cerca de 20 toneladas de barras de gelo por dia, utilizadas no resfriamento e conservação do que era industrializado pelo frigorifico e para abastecer o comércio.
Sobre o gelo
Uma das pessoas que buscava gelo no local era o empresário Albino Pereira Marques Gomes, um português do Porto, de 85 anos, que conversou hoje à tarde com a reportagem do Seguinte:.
Albino não recorda a época exata, mas diz que foi provavelmente nos anos 50 e que o frigorífico já tinha trocado de nome e diversificado suas atividades, abatendo inclusive tropas de gado que passavam na frente do portão de onde morava.
— Naquela época não havia geladeira, ou freezer, como tem hoje, e a gente buscava gelo em barra na Brahma para resfriar as bebidas. Só que a fábrica não dava conta e aí a gente buscava o gelo do frigorífico — contou.
Segundo Albino, seu pai Albino Marques Gomes, além de produzir bebidas trabalhava como distribuidor da fábrica da Brahma. Ele usava o gelo para levar, em um caminhão, para o litoral, principalmente para Tramandaí, onde era empregado no resfriamento de bebidas em bailes e festas que aconteciam na cidade e região.
IMPORTANTE
Esta reportagem foi sugerida pelo jornalista e colunista do Seguinte: Cláudio Dienstmann que se deparou com o assunto enquanto realizava pesquisas para produzir seu próximo livro.
O QUE DISSERAM OS ALEMÃES
: Na imagem acima, o recado dos economistas ao cônsul da Alemanha