Como naquelas reuniões em família que tanto gostam os descendentes de italianos, José Ivo Sartori estava em casa nesta terça, no Almoçando com a Acigra, que reuniu parte do PIB de Gravataí no Intercity.
Entre assentimentos ideológicos, troca de gentilezas e presentes, o governador fez um discurso repetindo por oito vezes as palavras esperança e fé, quase um Quel Mazzolin Di Fiori de quem é candidato à reeleição – apesar de ainda dizer non.
– O Rio Grande quer, nós queremos mais quatro anos – o prefeito Marco Alba (PMDB) se encarregou de fazer o ‘lançamento oficial’, acalentado por aplausos de parte de uma platéia formada por figurões locais, como Sérgio Pereira, dono da Sogil, e Gilberto Gil, diretor da Pirelli, além de neogravataienses como Sylvia Rachewski, do Shopping Gravataí, Marco e Daniela Kraemer, pai e filha, ex e atual GM, que trouxeram para o círculo da elite da aldeia outro alto executivo da montadora, Eric Preuss, o novo diretor de operações de Gravataí.
– O governador teve coragem de fazer as reformas para reduzir o tamanho do estado, que não pode para sempre se sustentar apenas a custa do aumento de impostos – resumiu Régis Marques, presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços, sob aceno de cabeça de José Rosa, presidente do Sindilojas, elogiando e só de leve criticando a conta que chega ao empresariado desde 2016 com o aumento no ICMS.
O anfitrião apontou a terceira vinda de Sartori em uma semana como um exemplo da atenção do governo estadual com Gravataí: em uma anunciou a duplicação da RS-118 como prioridade de seu governo; em outra assinou o contrato com a GM para investimento de um bilhão e meio – outra loteria que o município ganha em menos de 20 anos.
E, ali, no tradicional almoço da nonagenária entidade, vendia esperança de tempos melhores ao estado que despenca do mapa – e das finanças.
– Gravataí está na contramão dos municípios em crise, não só pelo anúncio da GM, mas pelo número de novos empreendimentos e negócios chegando e abrindo na cidade. Já para o estado, não está fácil. Ou a Assembleia aprova as reformas, ou o futuro é muito ruim. O mesmo vale para o Brasil todo – diz o líder empresarial, referindo-se, no RS, às polêmicas vendas de estatais, e, nacionalmente, à previdência.
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Sartori, Marco & Miki
A convergência de pensamentos se traduziu na troca de afagos entre Marco Alba e Sartori, parceiros desde o ‘velho MDB’. Os discursos são muito semelhantes.
– O governador sofre ataques desmedidos por enfrentar corporações e vantagens indevidas que sustentam esse modelo perverso onde o poder público serve só a si, não às pessoas. É preciso menos paixão partidária e ideológica e mais paixão pelo interesse público – disse o prefeito.
– Me inspirei no que fizeste aqui, Marco. Sei o que passaste ao ter atitude para fazer uma coisa que não é normal na política: falar a verdade sobre a realidade financeira e fazer gestão – retribuiu Sartori.
Ambos fizeram referência às medidas, para muitos impopulares, também tomadas neste início de governo por Miki Breier (PSB), prefeito da quebrada Cachoeirinha, que almoçava junto.
– Amigo Miki, parabéns pela coragem. Um deputado nos classificou como iguais. Fico feliz e tomo como um elogio aos que sabem o papel que tem a cumprir – saudou Sartori, citando entrevista de Pedro Ruas (PSOL) ao Seguinte:.
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Ainda na ponte Gravataí-RS, o governador apontou os ajustes feitos por Marco e ele como pioneiros no Brasil, usando a expressão “entrar nos trilhos”, do presidente Michel Temer (PMDB).
– O prefeito antecipou a crise e nós fomos o primeiro dos estados falidos a promover reformas estruturais – comparou, citando como um dos exemplos, além de cortes de gastos e nomeação de menos CCs, a articulação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
– Com a colaboração de todos, pela primeira vez, em 2016 e 2017, temos um orçamento realista, que prevê um crescimento de 3%, dentro do que é possível – observou, culpando “a maior crise desde o crack da Bolsa de Nova Iorque em 1929” por não cumprir a meta de reduzir o déficit, no final de 2018, de R$ 25,5 bilhões para R$ 8 bilhões.
– Vamos fechar em R$ 10 bilhões – calculou, lamentando que, nas últimas cinco décadas, em apenas sete a receita não ficou abaixo da despesa.
Os discursos são siameses também na questão previdenciária. O mesmo alerta que Marco faz do Ipag, de que o céu é o limite no crescimento da alíquota complementar paga pela Prefeitura para garantir as aposentadorias passadas, presentes e futuras do funcionalismo, Sartori apresenta em relação aos inativos do Estado.
– A dívida do Rio Grande, que tanto se fala, é um problema menor do que a folha, que chega ao final do ano com 60% de aposentados, num déficit previdenciário de R$ 9 bilhões – alerta, projetando uma solução não antes de 30 anos e só possível devido ao novo regime para futuros funcionários públicos, que irão se aposentar com salários limitados ao teto do INSS (R$ 5.189,82), ou fazer contribuições extras para o RS-Prev para ganhar acima desse valor.
– Seria preciso uma reforma da previdência nacional a cada cinco anos – calcula o governador.
– O setor privado, o cidadão, não pode bancar o setor público e não ter retorno nem em coisas básicas como saúde, educação e segurança – concorda o prefeito.
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Pessimista se escreve igual em português e italiano, mas Sartori parece querer livrar-se aos poucos da imagem de só falar nas desgraças do estado.
– Disse na campanha que faria o que precisava ser feito. O estado estava doente e precisava de tratamento, de remédio amargo. Não adiantava só dar Fontol, ou Melhoral – disse Sartori arrancando risos, mas provocando silêncios ao observar que o aumento no ICMS até 2018 salvou os municípios no auge da crise, garantindo desde 2016 um crescimento de pelo menos 10% nos orçamentos.
– Não fosse essa cota de sacrifício de toda a sociedade, raras prefeituras fechariam o ano. Mas ano que vem termina – argumentou, começando a mudar o tempo feio do discurso e a falar em “começar a colher a semente que se plantou”.
Sartori usou o bilhão e meio da GM anunciado para Gravataí na quinta passada como um sinal da retomada da confiança dos investidores no RS, e citou como exemplo de outros investimentos silenciosos os R$ 3 bilhões que virão de 91 pequenas centrais hidrelétricas recém licenciadas pelo governo.
Sobre segurança, a preocupação de sete em cada dez gaúchos, pouco antes de receber um documento da Acigra com um pedido de atenção à área, o governador falou da primeira transferência da história de líderes de facções para presídios federais e disse que, além do concurso para mais de 6 mil policiais, foi a única pasta do governo que cresceu em investimentos, 13%.
– Falta muito, mas estamos fazendo o possível.
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Se non è vero…
Pelas últimas agendas pela região e interior aparentando um caixeiro viajante da esperança para uns, um candidato em campanha para outros, só ao fim da palestra chamada ‘O RS saiu na frente’ Sartori falou em eleições.
– Não estou preocupado com a próxima eleição, ou deixaria de tomar atitudes necessárias para o estado – despistou.
Mas que o gringo de capela São Valentin parece disposto a botar a prova os 3,8 milhões de votos que em 2014 o elegeram com 61%, em primeiro turno, e enfrentar o tabu de nenhum governador gaúcho ter sido reeleito, parece.
Se non è vero, è ben trovato.
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