entrevista

CANDIDATO A PREFEITO | Miki é igual a Sartori, diz Pedro Ruas

Ruas, com Ester e Luciana Genro no almoço do PSOL, domingo, em Cachoeirinha

Quando Leonel Brizola voltou do exílio, em setembro de 79, entre amigos que lhe mostravam um soturno convite de enterro, distribuído com seu nome por Porto Alegre naquele dia, estavam Isnar Ruas e a companheira Glória.

– Esse é o ‘canhão do povo’ – o jornalista apresentou ao filho, Pedro, 23 anos e a apenas um de se formar em Direito.

– Isso nunca me saiu da cabeça – conta o hoje deputado estadual, um dos principais políticos do PSOL em todo Brasil e que, quase quatro décadas depois, ainda se apresenta como ‘brizolista’.

– O Brizola podia mudar tudo – resume, exilado entre a admiração e a saudade, ao descrever o herói e amigo por 26 anos como aquele que a todos inspirava a “revolução permanente”.

Hoje, um dos sóis que mais bilha no partido e 38 anos depois daquele dia onde nasceu um convívio de conversas diárias, que o conduziram a fielmente comandar o PDT até a morte do velho caudilho (foi o único a sair do governo Olívio quando Brizola pediu; e Dilma ficou), Pedro Ruas está convocado por seu PSOL – e por outras ainda lideranças silenciosas – para ser o ‘canhão do povo’.

A guerra? A disputa pela Prefeitura de Cachoeirinha, em 2020, que é vista pelo partido como uma chance de mostrar ao Brasil que é possível revolucionar, para além do discurso, o jeito de governar um município que é a síntese de muitas outras cidades metropolitanas.

– É uma forte tendência – confirma Ruas, que já foi secretário de Estado, vereador mais votado de Porto Alegre, deputado eleito em 2014 e é morador há 13 anos da ‘rua dos bancos’, ao lado da companheira Ester Ramos – curiosamente ex-presidente da Associação Comercial (ACC), entidade representantativa dos grandes industriais.

– Não iria falar nisso por enquanto, mas vocês descobriram… – sorri, sobre a revelação da candidatura, feita com exclusividade na sexta pelo Seguinte:, e que viralizou nas redes sociais e foi o principal assunto no meio político, num fim de semana onde o PSOL promoveu encontro que reuniu cerca de 200 pessoas em Cachoeirinha.

E onde Ruas, anfitrião do almoço, ao receber Luciana Genro foi saudado pela ex-candidata a Presidência da República com um “bom dia, futuro prefeito”.

Confira a entrevista, onde Ruas fala como candidato e mostra estar atento a pequenas e grandes questões da cidade.

 

Seguinte: – És candidato a prefeito?

Ruas – É a visão partidária, de que chegou o momento. É uma tendência forte. Claro que a prioridade é a reeleição para a Assembleia, no ano que vem, mas há toda uma construção para que Cachoeirinha tenha o primeiro governo do PSOL no Rio Grande do Sul.

 

Seguinte: – O que lhe parece Cachoeirinha?

Ruas – Adoro Cachoeirinha. Gosto de andar pela Flores Cunha, dou minha caminhada pela região do Distrito Industrial, vou ao shopping, enfim, vivo a cidade como qualquer morador. Mas não posso deixar de apontar alguns problemas óbvios.

Como pode o Mato do Julio estar na mesma situação de décadas? Então a Prefeitura, após crimes e ataques sexuais, não consegue nem obrigar o proprietário a fazer o cercamento? O que dizer então de cobrar a dívida milionária em impostos? Uma conta que também é mal calculada, porque pagam ITR, um imposto rural, e não IPTU, mesmo não havendo área rural no Plano Diretor.

Já nossa avenida é um risco aos pedestres. Corta a cidade no meio e é difícil de atravessar, tanto para quem tem dificuldades de locomoção, como para quem está fazendo compras por ali. Calculo a necessidade de umas 10 passarelas, do Big à ponte. Não custariam mais de R$ 200 mil cada. O trânsito não vai mudar nem que o pedágio de Gravataí troque de lugar, é uma questão cultural. E acho isso bom para o comércio. A Flores da Cunha é um shopping ao ar livre. E tem bom preço. A Prefeitura deveria incentivar mais isso.

Outra coisa singela é a regularização de áreas ocupadas na periferia. Isso dá cidadania. É preciso dar a propriedade aos mais pobres, mesmo que se estabeleça um período onde não seja permitido vender. Isso é só burocracia, computador, papel e vontade política de ajudar quem precisa.

Estou te falando de coisas simples, como a falta de banheiros femininos no Distrito. Coisas que um prefeito precisa ver quando está passando pelo problema e agir para resolver. De que adianta falar em governo para 20 anos e não fazer primeiro o simples?

Agora por óbvio que há grandes questões, como atrair empresas aproveitando o gigantismo do Distrito, agir na questão da segurança com uma guarda comunitária e aumentar a arrecadação, cobrando os grandes devedores e combatendo a sonegação.

Isso sem falar nas tarifas de ônibus. Essa empresa é a mesma que presta serviço em Bagé e Santa Cruz, cidades muito maiores que Cachoeirinha, e com passagens mais baratas. Cachoeirinha, com apenas 44 Km², tem proporcionalmente uma das tarifas mais caras do Brasil. É um absurdo. Como em 2013 baixamos a passagem em Porto Alegre, faremos o mesmo aqui.

 

Seguinte: – Os números apresentados pelo prefeito Miki Breier (PSB) são de uma catástrofe nas contas. De uma receita de R$ 22 milhões, R$ 18 milhões vão para a folha. O governo tem pouco mais de meio ano e, além de ter parcelado salários, já deve R$ 18 milhões para fornecedores e não repassou R$ 16 milhões da parte patronal para o Iprec, a previdência municipal.

Ruas – Estamos acompanhando esses números. Mas não vemos como saída arrochar o funcionário de carreira, tirar conquistas. Vamos revogar o ‘pacotaço’ apresentado pelo prefeito. Cachoeirinha é uma cidade de servidores públicos, que fazem movimentar a economia. Cortar vale-alimentação não ajuda em nada. E são profissionais muito qualificados, acima da média da Região Metropolitana, que podem ajudar muito a governar. Se é para cortar, vamos cortar, e muito, os CCs.

Fiz o que pude para intermediar uma saída para a greve, com audiência pública, na DRT (Delegacia Regional do Trabalho). O que me pareceu, nos 60 dias de negociação, foi que Miki culpa os antecessores Vicente Pires e José Stédile, que são do mesmo grupo político dele, por terem quebrado a Prefeitura. Mas achamos que Cachoeirinha tem espaço para crescer, atrair novos negócios e cobrar os grandes devedores.

Do orçamento de uma cidade, uma parte tem que ter posição ideológica. É preciso fazer escolhas. Quanto mais apertado o orçamento, mais ideológica é a decisão do governante, do gestor.

 

Seguinte: – O PSOL é apontado por muitas lideranças da oposição como responsável, na última eleição em Cachoeirinha, por implodir uma unidade que supostamente poderia ter tirado o PSB do governo 16 anos depois.

Ruas – Temos uma questão estatutária, que só permite alianças com PCB e PSTU. Mas há uma conversa estadual, que pode virar nacional, alterando um pouco isso. Sou inclusive delegado nacional. O que não mudará é que somos um partido igual aqui, em Porto Alegre, São Paulo, onde for. O PSOL é o PSOL. Todos sabiam como era o estatuto do partido e as regras nacionais para as eleições de 2016.

 

Seguinte: – A eleição de uma Câmara composta somente por vereadores ligados a partidos do governo ilustra de certa forma uma velha característica fisiologista da política de Cachoeirinha. Numa hipótese de, primeiro conseguir ganhar a eleição contra um exército de CCs espalhados por uma cidade de pequeno território, como governar sem maioria no legislativo? Gelsimar Gonzaga, primeiro prefeito do PSOL eleito em 2012, foi impichado em Itaocara, cidade de 23 mil habitantes no noroeste fluminense…

Ruas – Ganhando e governando com o povo. Com o povo dentro da Câmara, e medidas boas para a população, não há oposição por oposição que se sustente. O PSOL não faz negociações fisiológicas. Os vereadores que respondam ao povo.

 

Seguinte: – Uma das principais características do PSOL é a defesa de minorias e um discurso libertário que assusta setores mais reacionários. Como a onda de conservadorismo não deve virar marola até 2020, o preconceito e o medo de muitos não pode prejudicar tua candidatura?

Ruas – Seguiremos defendendo as minorias, LGBTs, indígenas, combatendo o racismo, enfrentando o grande capital e a corrupção. Enfim, todas essas lutas que tanto nos orgulham. Somos o PSOL por isso. Não seremos diferentes na campanha e no governo. Em todos esses escândalos e roubalheiras, ninguém do PSOL foi mencionado, investigado, denunciado ou condenado. O PSOL não se rende e não se vende. Eu, eterno brizolista, aprendi muito com Brizola, mas o principal foi o respeito à res publica (expressão latina que significa ‘coisa do povo’, ou ‘coisa pública’ e tem origem da palavra república). O dinheiro público é sagrado. Então, medo do PSOL tem que ter os grandes empresários que exploram os trabalhadores, os sonegadores e os corruptos.

 

: Ruas e Brizola, em 80, em foto na parede do gabinete na AL

 

Seguinte: – Se você tivesse que comparar o início do governo Miki com alguma outra experiência, com qual seria?

Ruas – Com o governo Sartori. É muito parecido. Não por coincidência, mas porque é um modelo. Um modelo diferente de tudo aquilo em que acreditamos.

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