Em seu livro Pablo e Don Pablo, a brasileira Jurema Finamour, que foi secretária de Neruda, no Chile, estilhaça em mil fragmentos o mito do poeta defensor das causas sociais.
Na biografia, fartamente documentada, revela o lado escuro de sua personalidade, apresentando-o como um ser narcisista, arrogante, avarento e superficial.
A autora se refere, em mais de uma passagem, aos maus tratos que o poeta infligia a seus empregados e aos míseros salários que lhes pagava. E, apesar de que é perceptível, nas entrelinhas, a sede de vingança que a animou a escrever o livro, não tive como não ficar com um pé atrás com respeito à obra de Neruda.
Como voltar a ler, depois disso, sua sensacional Ode à pobreza? Maldita a hora em que decidi ler essa biografia…
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Eu não cabia em mim de excitação quando cheguei ao Equador, em 1980, para fazer um estágio na Embaixada do Brasil. Ocorre que o embaixador, por lá, nessa ocasião, era ninguém mais ninguém menos do que o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto.
Como tantos outros estudantes brasileiros, havia entoado pelas ruas, nos anos cinzentos da Ditadura Militar, os versos que Chico Buarque havia musicado de Morte e vida Severina, sua obra-prima, e mal podia esperar a hora de conhecê-lo.
Mas, ao contrário do que imaginava, não se tratava de um homem de esquerda, e muito menos de um grande homem. O embaixador era ranzinza, alcoólatra, prepotente e nutria um desprezo, que não conseguia disfarçar, pelo Equador e por sua população, formada majoritariamente por indígenas e mestiços.
Uma ocasião, depois de esvaziar uma garrafa de Chivas, encasquetou que o jovem indígena que limpava sua sala havia tomado seu uísque, e exigiu que fosse demitido, o que só não ocorreu porque lhe deram folga até o embaixador esquecer do assunto.
Desde então, já não tive vontade alguma de ler ou reler seus poemas…
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Alarme falso
Em 1997, recebemos, na Feira do Livro de Porto Alegre, cuja equipe executiva integrou, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, que ganhou o Nobel de Literatura em 2010.
Meses antes, seu editor brasileiro passara a me ligar com frequência, e sempre havia uma exigência nova: o autor só viajava em primeira classe, sua esposa devia vir com ele, era preciso lhes reservar a suíte presidencial do Hotel Plaza São Rafael, o carro usado para seus traslados não podia ser um carro qualquer, que não esquecêssemos de lhes disponibilizar segurança especial, etc.
Eu estava preocupadíssima. O homem, já imaginava, era um “chato de galochas”. Mas qual o quê! Vargas Llosa chegou com um largo sorriso, acompanhado da esposa, e passou dois dias na cidade, sempre à disposição de quem quisesse falar com ele.
E, o que poucos autores fazem — para indignação do tal editor, que se abalou de São Paulo a Porto Alegre, para se certificar de que suas recomendações haviam sido atendidas —, autografou não só o livro que estava sendo lançado, como inúmeros outros, antigos, trazidos de casa por leitores.
É lindo quando há coerência entre a obra a e a vida de um autor…