Sindicato dos professores apresenta dados que embasam ação judicial sustentando que receita comporta reposição da inflação sem ultrapassar limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. O Ipag, para sindicalistas, seria o 'bode na sala'
Horas antes de ser exonerada do CC que ocupava há mais de uma década na direção administrativa do Ipag, Irene Kirst foi estrela do que o sindicato dos professores chamou de ‘aula pública’ sobre a situação do Instituto de Previdência e Assistência em Saúde dos servidores públicos municipais de Gravataí. O afastamento, revelado com exclusividade pelo Seguinte: na noite deste domingo, se deu na tarde de sexta, após o ato da Greve Geral que pouco antes provocou tumulto no saguão da Prefeitura durante entrega de ofício ao prefeito Marco Alba (PMDB).
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Historiadora mas como se economista fosse, cabeça e cálculos por trás das propostas que desde os anos 90 o SPMG leva aos governos da vez a partir de cada 1º de maio, a professora lotada na Vânius Abílio dos Santos detalhou para mais de uma centena de colegas a argumentação de ação protocolada na 1ª Vara Cível de Gravataí pedindo o cumprimento do artigo 37 da Constituição Federal, que prevê a revisão anual dos salários do funcionalismo.
Na quinta, a juíza Keila Tortelli negou mandado de segurança que pedia a reposição imediata de 14,21% calculados como perdas da inflação de maio de 2015 a abril de 2017, mas solicitou informações com urgência à Prefeitura – o que criou expectativa entre a direção do sindicato de que uma sentença possa sair ainda nesta semana.
– O governo botou o Ipag como um bode na sala. Mas provamos matematicamente que, mesmo considerado o que vai para o Ipag Previdência e o Ipag Saúde, e por lei não precisam ser contabilizados como gasto com pessoal, a reposição da inflação não faz a Prefeitura ultrapassar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – sustentou Irene, apresentando o cálculo de que a Prefeitura consome 43,20% da Receita Corrente Líquida (RCL) em Gastos com Pessoal (GP), frente a um limite prudencial de 51,3% e um teto de 54% previstos pela LRF.
– A reposição de 14,21% de inflação deixaria a folha em 51,3% – afirma, incluindo na conta tanto a alíquota complementar de 10% que este ano o governo contribui para enfrentar o déficit atuarial bilionário do Ipag, como os 4,5% da parte patronal do Ipag Saúde.
– A folha de R$ 294 milhões cabe na receita de R$ 573 milhões – resume a vice-presidente do sindicato, que após o governo ter comunicado na primeira reunião de negociação que não avançariam nas 18 – das 57 pautas – que geram gastos, nem trabalha mais com a pedida de 17%, onde era computado um ganho real de 3%.
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Receita maior
Com base em dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que medem a evolução da RCL e do GP entre 2011 e 2016, a sindicalista mostrou também um crescimento de 1,96% da RCL acima da inflação (“mesmo com o contágio maior da crise nacional em 2015”), enquanto a folha subiu 1,4%.
– O governo não quer dar o reajuste e usa o Ipag como desculpa, falando da necessidade de congelar salários por 15 anos e alertando para o risco de falência da Prefeitura. Isso é um engodo – avaliou, argumentando que 98% dos regimes próprios de previdência têm déficit atuarial.
– A previsão atuarial é feita sempre levando em conta o pior cenário. E isso muda todo momento – argumenta, projetando já a partir do ano que vem uma redução no déficit de quase R$ 1 bilhão, onde está o cálculo das reservas matemáticas para pagar aposentadorias e pensões concedidas e futuras.
– Até 2016, o servidor pagava 11% ao Ipag. A partir de abril deste ano, já pagamos 14%. Isso mexerá no cálculo, que o atuário previa manter 11% para o funcionalismo e 18,70% para a Prefeitura. Eles aprovaram lei para pagar 15,70% e repassaram os 3% para a gente.
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Natimorto
Entre os fatores geradores do déficit, o sindicato aponta a falta de compensação adequada do INSS. O que Irene quer dizer é que, quando o Ipag foi criado em 1996, não se fez o encontro de contas com o INSS para o instituto incorporar ao seu caixa o que os funcionários na ativa já tinham contribuído para previdência.
E, ainda conforme ela, a lei apresentada pelo prefeito Edir Oliveira (PTB) teria sido aprovada pela Câmara em 14 de agosto daquele ano sem um cálculo atuarial adequado.
– O prefeito acelerou a aprovação para poder rolar uma dívida monstruosa que tinha com o INSS. O Ipag começou com uma contribuição de 9% para os servidores e 11% para a Prefeitura. Só que antes, para o INSS, o governo contribuía com 20% – recorda a sindicalista, que participou da comissão de negociação pela criação do instituto, mas ao ver a minuta do projeto liderou na Câmara uma frustrada campanha pela reprovação da lei.
– O prefeito seguinte optou por não revogar a lei – acrescenta, sobre a gestão de Daniel Bordignon (PT), junto a Sérgio Stasinski (PT) responsável por uma dívida que chegou a R$ 90 milhões pelo não recolhimento da contribuição patronal, só paga a partir da gestão de Rita Sanco (PT) e mantida em dia nos governos Acimar da Silva (PMDB) e Marco Alba.
O esqueleto do bilhão
O déficit atuarial leva em conta R$ 935 milhões como uma reserva para aposentadorias e R$ 446 milhões para pagamentos dos já aposentados, além de uma compensação previdenciária a receber do INSS de R$ 152 milhões e uma compensação a pagar de R$ 11,7 milhões, para quem deixa o serviço público e volta ao regime geral.
– O Ipag não tem um cadastro de empregos anteriores dos servidores, o que impede uma medida correta da compensação a receber. E, nas compensações a serem pagas, no cálculo atuarial se trabalha com uma estimativa alta, de R$ 11,7 milhões. Mas sabemos que é um fenômeno raro o funcionário público voltar para a iniciativa privada – explica, defendendo também um recadastramento dos funcionários ativos para aprimorar o cálculo das compensações a serem cobradas do INSS.
Irene também alerta para a falta de ações do governo para reduzir o auxílio-doença, que em Gravataí chega a 4,86%, enquanto em outros municípios a média é de 2,5%.
– Isso tudo também muda o cálculo atuarial – adverte Irene, que com a aula pública em que o Seguinte: foi o único veículo de comunicação liberado para acompanhar a apresentação de dados, quebrou o silêncio do SPMG.
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Na conta do magistério
Os dados apresentados pelo sindicato com base no cálculo atuarial de 31 de dezembro de 2016 mostram que o quadro geral tem 2.130 servidores, com uma média salarial de R$ 3,2 mil, que corresponde a R$ 6,9 milhões na folha. São servidores cuja regra de aposentadoria é de 35 de serviço ou 60 de idade para homens, 30 e 55 para mulheres.
Já o magistério responde por 2.156 servidores, com salário médio de R$ 2,4 mil, ou R$ 5,3 milhões da folha. O regime de aposentadoria é especial para a categoria, 25-50 mulheres, 30-55 homens.
Os inativos são cerca de mil servidores, que consomem R$ 5 milhões da folha.
– O magistério está pagando a conta. Os professores são 50,30% do funcionalismo, mas apenas 43,72% da despesa de pessoal – compara, lembrando que enquanto a categoria perdeu com alterações nas leis de pagamento de convocações, triênios e qüinqüênios, 28 cargos do regime geral tiveram carga horária ampliada com a concessão de vantagens, com a incorporação na aposentadoria, sem a previsão do impacto financeiro no Ipag.
– Procuradores, por exemplo, aumentaram salários de R$ 7,6 mil para R$ 11,4 mil, alguns com vencimento acima do teto de R$ 18 mil do salário do prefeito – exemplifica, calculando que isso represente R$ 83 milhões no cálculo do déficit atuarial.
– Não há rombo, dívida ou desfalque no Ipag, como o governo tenta fazer passar por verdade. Há uma projeção da necessidade de reservas, cuja amortização não vai quebrar a Prefeitura – argumenta Irene, que informa um saldo em recursos próprios de R$ 232,4 milhões no instituto, que de uma meta de rentabilidade de 12,67% ao ano chegou a 15,66% em 2016.
– Isso que há quatro anos pedimos a contratação de um economista para podermos atuar na Bolsa de Valores e capitalizar o instituto.
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O polêmico Ipag Saúde
Sobre a polêmica do Ipag saúde, Irene sustenta que o congelamento de salários desequilibrou a receita do que é uma espécie de plano de saúde dos servidores. Conforme os cálculos do sindicato, a frustração de arrecadação de 2013 para cá é de R$ 5 milhões. Conforme o governo, a projeção é fechar 2017 com um déficit de R$ 3 milhões. Ou seja, em setembro, o caixa estará raspado.
Nesta terça-feira o Conselho de Administração se reúne para tratar justamente do Ipag Saúde. Não será surpresa se na gaveta da diretora-presidente Kelen Copa estiverem estudos do secretário da Fazenda Davi Servergnini sugerindo ao prefeito a extinção do plano de saúde.
Irene, exonerada do CC de diretora administrativa, seis governo depois, não estará na mesa.
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PROJEÇÃO DE DESPESAS (2017)
: Folha com reajuste de 14,21% (inflação): R$ 270.836.865,53
: Alíquota complementar Ipag 10%: R$ 16.235.918,64
: Patronal Ipag Saúde 4,5%: R$ 7.701.536,60
: TOTAL: R$ 294.774.320,77
IMPACTO DO REAJUSTE – 14,21% (inflação) + 10% (alíquota complementar) + 4,5% (saúde) – NA RCL
: Receita Corrente Líquida: R$ 573.707.372,54
: Despesa de Pessoal: R$ 294.774.320,77
: INCIDÊNCIA NA RCL: 51,38%