mini contatos

O cogumelo na praça

Eram oito horas da manhã e o rapaz parou de varrer a rua. Me deu bom dia com um largo sorriso e apresentou-se:

– Sou o André e moro aqui na praça. Se a senhora puder me ajudar para eu comprar meu café da manhã, eu agradeço. Tem café ali no armazém – completou, apontando para o estabelecimento comercial do outro lado da rua.

Respondi que sim, que o ajudaria. Contei a ele que moro no edifício em frente. Abri a bolsa. Dei as moedas soltas. Em geral uso apenas cartões para pagar o ônibus e a alimentação.  Até então, não havia dado dinheiro a nenhum pedinte. Talvez a vizinhança ou o sorriso tenha me sensibilizado….Ele agradeceu e continuou a limpar. Eu, apressada, segui para meus compromissos.

Tinha curiosidade em saber quem era morador sob a lona preta meio escondida entre árvores e plantas rasteiras em um dos discretos canteiros da praça. Faz uns dois meses que ele ali instalou o seu “lar”. O lugar está sempre limpo. A porta de entrada é marcada com um cogumelo de feltro, aquele da Branca de Neve (vermelho com bolinhas brancas). Aliás, pensava que esse tipo de cogumelo existia só nos desenhos, até conhecer um verdadeiro lá na entrada do Morro do Itacolomi.

Sem tempo para conversar com André, não sei o significado do cogumelo espetado no cabo de uma vassoura e fincado junto à lona. Ele poderia ter agregado o objeto aos seus parcos pertences como símbolo da infância, ou referência familiar. Para a turma mais cética, o elemento decorativo significaria ser ali um ponto para compra de droga ilícita. Acho que é paranoia. Viver sob uma lona de dois metros quadrados e mal acomodado, para vender droga é improvável, mas não é impossível, admito. Será que meus vizinhos permitiriam tal comércio? Por ali brincam crianças da manhã até a noite nos dias em que o inverno se esquece de aparecer. Aos finais de semana algumas famílias se reúnem para confraternizar assando carne na churrasqueira improvisada em uma floreira vazia da praça.

Minhas divagações sobre as motivações envolvendo o cogumelo em exposição foram interrompidas com a chegada do ônibus no ponto, o que me obrigou a fazer gestos desesperados ao motorista para que esperasse eu conseguir atravessar a rua. Gentil, o homem compreendeu visualmente o meu apelo e aguardou. Entrei, agradeci. Balançou a cabeça em um gesto de aceitação de meu agradecimento e arrancou o veículo.

Enfrentamos nossos destinos. O rapaz da praça, a varrer; eu, passageira; o motorista, no vai e volta da linha. Um sorriso, um bom dia, meio minuto de espera são gestos que nos dão a certeza de que esses “mini” contatos fazem a diferença no ritmo de nosso dia. Gentilezas que aquecem o coração.

 

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