Ao ver nos noticiários o entusiasmo com que falava e o linguajar de mesa de boteco do senador Aécio Neves (PSDB – MG) pedindo propina para o empresário Joesley Batista, da JBS, fiquei com a sensação que já visto e ouvido aquilo antes. O comportamento do senador era totalmente diferente da sua imagem pública: a de um homem educado, de pensamento articulado e de uma imensa riqueza de vocabulário. Algum tempo depois, lembrei onde tinha visto e ouvido um quadro semelhante à conversa do senador – gravada e com o áudio entregue pelo empresário à Procuradoria-Geral da República em delação premiada. Tinha sido nas interceptações telefônicas, autorizadas pela Justiça, entre os quadrilheiros que assaltavam carros-fortes nas estradas gaúchas. Eram assaltos cinematográficos, que rendiam muito dinheiro para os bandidos. Por quase uma década, essas quadrilhas apavoraram. Como repórter, escutei horas e horas das interceptações telefônicas nas delegacias. O meu interesse era no maior bandido de todos, José Carlos dos Santos, o Seco, na época com 26 anos e atualmente cumprindo uma pena de 150 anos na Penitenciária de Segurança Máxima de Charqueadas, Região Metropolitana de Porto Alegre.
Até os 24 anos, Seco era um jovem de classe média de Candelária, pequeno município agrícola gaúcho. Inteligente, educado e boa pinta, ele fazia sucesso na cidade. O que ninguém sabia é que ele tinha vida dupla, em que era um bem sucedido e respeitado ladrão de carros-fortes. Ele inventou uma tecnologia de assaltar que inovou o ramo no Brasil. Ele protegia o corpo com colchões – esse usados em acampamento – , a cabeça com um capacete de motoqueiro e as mãos com luvas e sentava-se na direção de uma caminhão. O veículo era usado para abalroar e tirar da estrada o carro-forte, que era atacado pelos quadrilheiros – arrombavam as portas com dinamite e usavam armas de grosso calibre na troca de tiros com a tripulação. Ouvi algumas interceptações telefônicas de Seco e de seus quadrilheiros falando com os seus amigos depois de assalto. Descreviam a ação com entusiasmo, era pura adrenalina.
Na ocasião, para entender o entusiasmo dos bandidos, consultei vários especialistas. De modo geral, eles falaram que o estilo de vida – fugas espetaculares da polícia, enfrentamentos armados com tripulantes de carros-fortes e grandes somas de dinheiro – formavam uma rotina viciante de vida.
Voltando ao caso do senador Aécio. Mesmo com a força-tarefa da Lava Jato em plena atividade, ele continuou a sua relação clandestina com o empresário da JBS. Não conseguiu cortar os vínculos. E, nas conversas que teve, que foram gravadas, ele não tem papas na língua, fala com entusiasmo. Ele tinha consciência que, se fosse descoberto, toda a sua vida seria virado do avesso. Mas, movido pela adrenalina, ele continuou caminhando no fio da navalha. Lembro que o Seco era o bandido mais procurado no Rio Grande do Sul. Continuou agindo até ser preso, eu estava lá quando aconteceu. Houve um tiroteio, e ele foi baleado na perna. Mesmo sendo exibido como um troféu pela polícia, Seco manteve a altivez. O senador ainda não deu sua versão sobre o que aconteceu.
Carlos Wagner é repórter e o texto foi publicado originalmente em seu imperdível blog Histórias Mal Contadas.
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