Ao término da refeição, um cenário de guerra: boca, mãos, testa, bochecha, tudo sujo de moranga. Havia um pedaço de coisa laranja até na porta do outro cômodo, alçada em voo, nem pergunte como.
Finalizada a brincadeira, o quarto parecia ter recebido um desfile de carnaval: papel picado por todo o lado. Não era de se duvidar que pedaços rasgados fossem encontrados até dentro da fralda. No livro colorido, os personagens haviam diminuído a estatura, desfigurado o rosto. As folhas estavam todas amassadas, trucidadas, praticamente inaptas a um novo leitor.
Apesar de tudo isso, duas grandes lições haviam sido aprendidas:
A primeira, que comer deve ser com prazer, experimentando gosto, cheiro e textura. A criança capta o mundo com todos os seus sentidos e, na relação com a comida, não é diferente. O alimento não é sujo, não é feio, não é proibido. Disse-me uma colega, nutricionista, que muitos dos transtornos comportamentais na vida adulta podem estar associados a esse primeiro aprendizado: o de alimentar-se. Aprender a estabelecer uma relação prazerosa com a comida é, portanto, uma das mais importantes lições para a vida.
A segunda lição é a de que os livros não são objetos inacessíveis, a serem preservados intactos lá em cima da estante. O aprendizado da leitura passa por essa relação de permissão: o livro é para manusear, sim, é para tocar, sim, e é para ler, sim. Se toda a vez que a criança pegar um livro dissermos “não mexa”, estaremos ensinando-lhe que a leitura é algo proibido e distante. Claro que eu jamais daria uma edição autografada e rara para que meus filhos a rasgassem. Mas há, em casa, aquela estante ao alcance da mão e dos olhos, que contém livros possíveis de serem tocados, mesmo por mãos nervosas e inábeis como as de um bebê.
Água e sabão resolvem o problema da porta pintada, do babeiro manchado.
A prateleira mais baixa, ao alcance da mão, tem um livro encolhido e outros que estão ali para, possivelmente, seguir o mesmo destino.
O babeiro sujo do aprender a comer e o livro amassado do aprender a ler são, também, direitos fundamentais para o bebê.