Ela não é protetora.
Não faz o meio de campo entre a acolhida e a doação.
Carla é uma cuidadora, daquelas que sabe ao primeiro olhar quando um bichinho está sofrendo. E a casa dela é verde mesmo porque tem as paredes pintadas de verde e porque fica em meio a muito verde, uma área de 1.800 metros quadrados no bairro Passo da Caveira, parada 103 da RS-030 de Gravataí, no caminho para Glorinha.
A personagem é Carla Adriana Forgiarini, da Casa Verde Esperança, uma mulher de 49 anos que aprendeu a gostar dos animais quando era menina-adolescente em Caçapava do Sul. O pai, um ferreiro, segundo ela, “consertava osso de bicho!”. Funcionária estadual licenciada por problemas de saúde, Carla nunca teve filhos. Perdeu dois, ainda na gestação.
Depois perdeu os pais. E quando ficou viúva, há cerca de seis anos, jura que viu seu mundo ruir. Há mais de 30 anos se envolvendo com cães e gatos, ajuda os vizinhos no trato com os animais, auxiliando a ministrar tratamentos dados por veterinários e até trocando curativos, além de alimentar os cães que são deixados soltos e vão latir no seu portão, pedindo água e ração.
Olhos arrancados
Hoje Carla vive cercada por 96 cachorros e cadelas, de todos os tamanhos, pelagens e raças. Tem quatro gatos e um papagaio. E garante que um Bem-te-vi que vive na região também é seu.
— Ele está sempre voando aqui por perto e as vezes aparece para comer alguma coisa — conta.
O diferencial, que torna Carla talvez a única cuidadora do Rio Grande do Sul, é que dos animais distribuídos em baias na enorme garagem lateral da casa, ou pelo terreno, cada um na sua casinha, 28 são deficientes, entre cães e gatos, alguns paraplégicos e tetraplégicos, vítimas de atropelamentos e de espancamentos, ou até abusados sexualmente por humanos (?). Há inclusive cegos porque tiveram os olhos arrancados por maldade.
Carla dá nome a todos. E quando não os chama por ‘filho prá ca’ e ‘filho prá lá’, identifica um por um pelo nome.
Mesmo enquanto estava conversando com o Seguinte: nesta sexta, Carla corria de um lado para outro acalmando um que latia mais, outro que uivava menos, outros que corriam para a cerca, ou enchendo potes com ração, com água, com amor, com dedicação e entrega.
Total entrega!
A casa não é dela. É dos “filhos” dela.
E Carla não tem medo de morar sozinha em uma rua quase sem movimento, um lugar afastado de quase tudo e de quase todos.
— Eu não tenho medo. Bem capaz! Como que vou ter medo se Ele está sempre comigo? Quem tem Deus, tem tudo, não precisa temer a nada — diz.
: Carla não deixa de dar atenção a todos os cães e gatos. Na foto, com Alemão, um cão tetraplégico
Gato com fraldas
Branco é o nome de um gato paraplégico. Enquanto fala sobre a vida, ele mia alto como se estivesse pedindo para sair do espaço onde fica confinado. Ela pede licença, vai até ele e solta. Ele tem bandagens nas pernas e usa fraldas, um cuidado para que o atrito com o cimento, a terra e as pedras, não se transforme em feridas.
O gato se arrasta pela garagem, ganha um carinho e some. Para desespero de Carla que sai atrás depois de soltar a cadelinha Bebel, que está no colo, e de contar que Pink, outra cadela que está numa coleira, próxima, “chegou em carne viva de tanta sarna que tinha”.
PARA AJUDAR CARLA:
Celular: 9.9103.0052
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Vida dura
O dia a dia de Carla é complicado. Acorda cedo para alimentar todos, trocar a água, recolher e dar destino às fezes, trocar curativos, dispensar atenção e carinho, limpar o pátio, zelar pela casa e, ufa! Quando está terminando em uma ponta recomeça quase tudo de novo.
Ela tem um gasto que passa dos R$ 4,5 mil mensais. Parte é custeada pelo auxílio-doença do INSS. Parte vem das doações de quilos e mais quilos de ração. Ela gasta cerca de 900 quilos por mês, em média 30 quilos por dia. Mais os remédios. Mais água, luz e sua própria alimentação.
A vida dura de Carla Forgiarini é amenizada com o apoio que recebe de anônimos, como veterinários que a socorrem quando algum dos seus animais tem alguma complicação que ela não pode resolver. Ou de voluntários como “as meninas do shopping”, como se refere a um grupo de funcionárias do Shopping Gravataí que periodicamente lhe estendem a mão.
E Carla ainda tem tempo, e forças, para organizar feiras de adoção, brechós em que comercializa roupas e outros objetos e peças que recebe como doação.
— Dia 7 de maio vou fazer um evento grande no Shopping Gravataí, um desfile e concurso de cães — antecipa, dizendo que em breve as inscrições vão estar abertas.
: Bazarelas vai ser neste sábado a partir das 10h30min
Neste sábado
Para ajudar no cotidiano da cuidadora, ‘as meninas’ do Shopping Gravataí estão organizando neste sábado o Bazarelas – Bazar e Brechó, na rua Andaraí, 424, no bairro Morada do Vale III. Roupas, sapatos, objetos de decoração e acessórios estarão à venda entre as 10h30min e 19h.
E quem levar cinco quilos de ração ganha 10% de desconto em qualquer peça que comprar, segundo uma das organizadoras, a assistente de marketing do Shopping Gravataí, Priscila Gomes.
— O que for arrecadado a gente vai doar para a Casa Verde Esperança. É muito bonito o trabalho que a Carla faz, e ela precisa da ajuda de todo mundo — fala Priscila.
Para encerrar, a inevitável curiosidade:
— Quantas vezes já fostes mordida por cachorro, Carla?
E a resposta é surpreendente.
— Nunca. Nunca eles me morderam. Tem que ter técnica para chegar neles quando a gente não conhece. Tem que ter jeito. E já cansei de separar briga de cachorro e nunca fui mordida por eles. Tem que ter estratégia — diz, convicta e sorrisão aberto no rosto.
Então está bem.
E fica o convite: prestigie o Bazarelas neste sábado. Leve cinco quilos de ração e ganhe desconto no que comprar. É tudo por uma boa causa. Muito boa causa!