A audiência pública realizada na Câmara de Vereadores para ouvir da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) o que está sendo feito para equacionar os frequentes episódios de desabastecimento da população foi o mesmo que erguer uma ponte sem construir suas cabeceiras, os acessos.
O diretor de operações da estatal, muito bem falante e funcionário da Corsan há 33 anos, Eduardo Carvalho, mostrou que não conhece a realidade dos bairros gravataienses. Encheu a cabeça das cerca de 50 pessoas que estavam no plenário do Legislativo com números sobre esgotamento sanitário e não disse quando, afinal, Gravataí vai ter um abastecimento d’água sem sobressaltos.
Carvalho é o mesmo que, em 16 de novembro passado, disse na Rádio Gaúcha que o problema da falta d’água frequente em Gravataí é culpa da própria população. E falou, também, que cerca de 25% da água produzida pela Corsan tinha como destino as ligações clandestinas, geralmente abastecendo domicílios erguidos em ocupações irregulares.
Mas não disse porque a Corsan não ‘corta’ estas ligações clandestinas, como outra estatal, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), faz com os gatos de luz em investidas que contam com apoio – se for necessário – do Ministério Público, de secretarias municipais e das polícias, civil e militar.
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Ontem, na audiência proposta por Dimas Costa e aprovada por unanimidade pelos vereadores, o diretor de operações voltou à carga e acusou novamente as ocupações e as ligações clandestinas, inclusive com um mapa cheio de áreas vermelhas que, segundo disse, são locais onde se concentra o maior número de consumidores ilegais. Mas não falou que quase a metade da água tratada, somando os ‘gatos’, vai fora.
E que esse desperdício é culpa da própria companhia que investe pouco em manutenção de rede, que – por ser velha – frequentemente arrebenta por causa da pressão da água, por exemplo.
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Eduardo Carvalho começou mostrando muitos números sobre captação e tratamento do esgoto, quando a pauta era a falta d’água. E a solução para o problema. E deixou evidente que, para a Corsan, Gravataí é uma cidade de outro planeta pois, para ele, desde outubro passado a cidade só sofreu com um episódio de desabastecimento prolongado.
Foi quando a companhia parou de captar no Rio Gravataí a água que trata para distribuir, porque ela estava voltando das lavouras feito lodo, um barro impossível de ser transformado em líquido potável e consumível nas cerca de 80 mil economias de Gravataí abastecidas pela Corsan. Formalmente ou informalmente.
Os demais casos – pelo menos oito episódios de interrupções prolongadas, e leia-se por prolongadas aquelas que duram mais de 24 horas – desde outubro, segundo Carvalho, são resultados de circunstâncias adversas, que é como ele chama falta de energia nas estações de bombas, de tratamento e recalque (cadê os geradores para serem acionados nestas ocasiões?) ou rompimento de redes que, por velhas que são, não aguentam a pressão.
Eu, sofredor
Negar a falta d’água quase todos os dias em pelo menos uma área da cidade é quase uma heresia. Eu, por exemplo, estou de volta há menos de 30 dias para a parada 61 de Gravataí, em um prédio onde há oito reservatórios de 1.000 litros, cada, para abastecer os moradores na falta da Corsan.
Nestes menos de 30 dias já fiquei sem água em dois finais de semana. Na primeira vez, de sexta-feira até quase o meio-dia de domingo. No final de semana passado, da tarde de sábado até a manhã do domingo. A região das Moradas e da Cohab’s – só para citar estes dois bairros – têm casos semanais de desabastecimento.
(Em tempo: No exato momento em que reviso este texto opinativo recebo uma mensagem via whatsapp, do síndico do prédio em que moro, dizendo que mais uma vez estamos sem água. Só para constar!)
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E prometeu, sine dia, o que a companhia já deveria ter providenciado lá atrás, já que o histórico problema da população se repete de forma mais aguda há pelo menos uma década, que é aumentar a capacidade das estações de tratamento em Gravataí e Cachoeirinha.
Aqui, de 500 para 700 litros por segundo. Em Cachoeirinha – cuja ETA abastece quase metade da área urbana de Gravataí – a ampliação seria dos atuais 850 para 1.000 litros por segundo. No caso de Gravataí, Eduardo Carvalho justificou que só agora o departamento de Recursos Hídricos do estado autorizou o aumento da captação.
— Esses mais de 300 litros por segundo para Gravataí é uma obra para esse ano ainda. Os problemas da cidade se agravaram porque o sistema está no limite, mas para o verão que vem isso não vai mais acontecer — prometeu o diretor de operações da Corsan.
O vereador
Pelo menos um vereador, Clebes Mendes (PMDB), como um ‘rottweiler sem coleira’, disse aos representantes da Corsan – o chefe da unidade de Gravataí, Rodrigo Ramos, também estava à mesa – o que a comunidade sofrida por certo gostaria de falar:
— A população de Gravataí não acredita mais em promessa da Corsan.
— A cidade não pode mais suportar a situação que a Corsan promove em Gravataí.
— Qualquer empresa que tem matéria prima de graça fica rica. Não é o caso da Corsan, que tira água de graça do Rio Gravataí e está quebrada, não investe um centavo na preservação do rio e na melhoria do serviço prestado na cidade.
Foram só algumas frases de Clebes que desfiou um rosário de outros problemas que atribuiu à má gestão da companhia no que se refere aos interesses de uma cidade onde tem 700 mil metros de rede de distribuição e 29 reservatórios capazes de guardar 26,5 mil metros cúbicos, volume insuficiente porém para assegurar o abastecimento à população diante de situações adversas.
Esta foi a minha sensação em relação à audiência pública. Uma ponte construída para levar o nada à lugar algum!
Na minha concepção de leigo: se o serviço continuar sob responsabilidade da Corsan, as interrupções no abastecimento de água potável só tendem a se agudizarem.