Competentíssimo no que faz, goste-se ou não de seus conceitos ideológicos e da carteirinha de PMDB, Luiz Zaffalon é daqueles que, tanto quanto um sim, sabe dizer um não aos chefes, e nunca precisou puxar o saco de ninguém para ocupar cargos no alto escalão do governo municipal, secretarias de estado, estatais de ponta e em gigantes da iniciativa privada.
É o ‘gerentão’ do governo Nadir Rocha, como foi nos cinco anos e dois meses anteriores, nas gestões de Marco Alba e Acimar da Silva.
Para se ter uma ideia de sua influência, desde 5 de janeiro ‘Zaffa’, como é chamado pelos mais íntimos o homem de muitos amigos e poucos inimigos, tem ‘tinta de prefeito’ na sua caneta. O decreto número 15.473, publicado no Diário Oficial e revelado com exclusividade pelo Seguinte:, o autoriza a, por exemplo, “assinar, em nome do Município e no interesse da Administração, contratos, convênios, ajustes, termos de cessão de uso, contrato de concessão de direito real de uso, termos aditivos e atas de registros de preços”.
No governo Marco, o sociólogo e filósofo foi o encarregado de mexer com a folha de pagamento do funcionalismo, um desafio de R$ 20 milhões por mês, que consome metade de tudo que a Prefeitura arrecada anualmente e dá dor de cabeça a todo prefeito, seja no lado direito, esquerdo ou no lobo central.
– É a maior de todas as contas da Prefeitura. Mas nenhum gestor público quer tocar. Perde votos. Gera antipatia daqueles que se beneficiam. Propus ao prefeito e ele disse: “mas tu ainda não estás fazendo?”– recorda o executivo que usou a experiência de bureau de redução de custos, inspirada por sua passagem pela Telefonica de Espanha nos anos 90, para investigar centavo de dinheiro público que sai do caixa da Prefeitura de Gravataí.
– Calculamos em quatro anos ter economizado pelo menos R$ 25 milhões na folha, só corrigindo distorções e sem retirar nenhum direito, até porque não pode – diz, antecipando-se às críticas políticas e ideológicas.
– Qualquer empresa que se preze tem oficinas de redução de custos. Por que não na Prefeitura? – instiga, listando resultados que credita primeiramente à criação da chamada Escola de Governo, onde buscava ouvir e convencer grupos de funcionários de todos os setores sobre as práticas de gestão.
– Tínhamos três almoxarifados, com três estruturas diferentes e com três aluguéis. Fizemos um único, coordenado pela expertise da Saúde, que era a melhor, e a economia foi enorme. Sem falar na gestão que melhorou muito. Só de estrutura e aluguéis economizamos R$ 500 mil por ano – exemplifica.
– Na telefonia gastávamos pagando aluguel de centrais e ainda pagávamos a ligação de ramal para ramal. Trocamos tudo, alugamos centrais modernas e economizamos quase R$ 1 milhão por ano – dá outro exemplo de economia milionária.
Outro, entre tantos exemplos que Zaffa cita da ‘viagem ao centro dos gastos’ é a manutenção de veículos:
– Treinamos pessoas só para conferir aquilo que as empresas faziam nos nossos veículos. Lembro nota fiscal com a troca de quatro amortecedores, quatro cubos de roda e outros itens. Examinando o veículo constatamos que os amortecedores estavam com o pó de muita estrada, as rodas idem. Rescindimos com a empresa e contratamos outro sistema via cartão Banrisul.
– O que importa é a prática de vistoriar cada serviço prestado. É rotina eterna. Cada gestor deve saber quanto gasta de água, luz e telefone. Só assim ele sabe se está gastando demais ou não – argumenta.
Na gestão da folha, a maior conta do orçamento da terceira economia gaúcha, Zaffalon começou a trabalhar com indicadores e gráficos colhidos do novo sistema de informatização, o IPM.
– Contratei um gerente que se dedicou somente a montar planilhas e relatórios, esquartejando a folha em mínimos detalhes – lembra.
– Para cada linha da despesa eu abria outra listando os funcionários que recebiam aquela rubrica. E buscava entender porque o servidor recebia aquilo, de quando era a portaria, se ainda estava naquela função, etc…
Pilotando entre as colunas ‘salário base’ e ‘adicionais’, o motociclista dono da Zaffa Motos testemunhou mais surpresas que as quebradas entre vales, penhascos e planícies desérticas do Atacama, seu roteiro mais recente em duas rodas:
– Centenas de funcionários recebiam insalubridade. Passei a lista deles para cada secretário, pedindo a justificativa. Uma grande parte não executava mais a função que dera origem a despesa – conta, listando exemplos como do funcionário que ganhava pelo ruído da impressora matricial há anos desativada, ou de cozinheiros longe do fogão há décadas.
– Tínhamos 60 e poucos com periculosidade. Quase todos estavam em escritórios refrigerados e sem nenhum risco a quilômetro deles. Alguns recebiam há mais de 10 anos – contabiliza, garantindo que os que tinham o direito mantiveram o ganho e as vantagens, depois de submetidos a nova avaliação pela Engenharia de Segurança do Trabalho.
O ‘gerentão’ cita o ‘balão’ dado por uma funcionária para a decisão de investigar o funcionamento da ‘indústria de LAFs’, as licenças para cuidar de familiares doentes.
– Única na função, ela pediu licença de duas semanas. Perguntei aos colegas sobre a doença do familiar, porque ela faria falta e eu queria planejar o futuro. Como não era muito querida, deixaram escapar: não havia ninguém doente. A licença era para pintar a casa na praia. Fui averiguar como funcionava a LAF e, por incrível que pareça, não existiam regras e nem controle para ver se a doença existia de fato.
– E não havia mecanismos de incentivo à volta ao trabalho. Como a remuneração era mantida na íntegra por tempo indeterminado, sem fiscalização ou cobrança, ficar de LAF era fácil e 100% garantido. Voltava se tivesse caráter ou quando quisesse – desabafa, revelando que funcionários da Prefeitura exploravam a licença há ano, trabalhando em outra coisa, inclusive com propaganda no facebook, com 100% do salário sendo pago e ganhando acréscimos por tempo de serviço.
– Fizemos uma nova lei, espelhada na Lei da União e que foi aprovada pela Câmara de Vereadores. Acabou a farra. Aqueles que de fato tem a necessidade continuam recebendo, agora com limites. O salário pago vai reduzindo com o tempo até zerar – informa, citando também a contratação de perícia pelo Ipag, o instituto de previdência de Gravataí.
– Centenas se curaram e voltaram a trabalhar, desonerando o instituto e colocando gente pra trabalhar onde havia falta de servidores.
Para chegar aos R$ 25 milhões de cortes, Zaffalon também cita o aperto nas cedências de funcionários a outros poderes e instituições:
– Eram cedidos com ônus e este custo não era repassado. Dezenas deles retornaram ou o órgão de destino começou a repassar o valor do salário, inclusive os atrasados.
Nas convocações de professores e na cobrança do Imposto de Renda sobre cada matrícula, o tamanho da economia foi proporcional à polêmica travada com a categoria.
– Aqueles professores que eram convocados todos os anos para ocupar vagas que abriam por doença, gestação ou outro motivo, ocupavam uma vaga nova que abria, porém com o salário e vantagens de toda a vida funcional. Como isso acontecia todos os anos, tornou-se muito mais barato contratar os concursados. A economia chega a R$ 5 milhões ao ano.
– Sobre o IR, a retenção na fonte se dá sobre o total recebido. É o que diz a lei. Quando o funcionário tem duas matrículas, somam-se os vencimentos e do total se calcula a alíquota a ser retida. Aqui se fazia o cálculo individual, por matrícula. Um grande grupo de funcionários ficava isento, mesmo recebendo salário total que atingia faixas onde se tinha a obrigatoriedade da retenção na fonte – justifica a medida, que tirou dinheiro do contracheque de professores.
– Não fomos nós a inventar a lei. E, como este dinheiro retido na fonte fica com a Prefeitura, o prejuízo era grande. Na declaração anual o funcionário iria pagar o imposto sobre o total, porém o imposto ia para a Receita Federal. Quem descobriu isto foi o novo sistema de gestão implantado.
O corte de horas extras de R$ 6 milhões ao ano para os atuais R$ 2 milhões/ano, é usado por Zaffa como exemplo da necessidade de gestão diária sobre a folha e os gastos da Prefeitura.
– Se não gerir uma por uma, faz-se sem ter trabalho extra. Se fizer todo mês, incorpora após 10 anos. Se não fizer gestão, muita gente faz ininterruptamente – lamenta.
Liberal favorável a privatizações e a importação de práticas gerenciais da iniciativa privada no serviço público, Zaffa procura despir de ideologia a necessidade de controle sobre as contas públicas.
– São práticas gerenciais aprovadas e boas pra todo mundo. A sociedade fica com mais recursos, valoriza-se os bons funcionários, que ficam revoltados com os aproveitadores e com a falta de providências da Prefeitura. É no mínimo justo com os bons.
E assim vai o Zaffa, contando a cada um que encontra, como contou tudo isso rapidamente a este jornalista, essas coisas do interesse de todos, que quase sempre não interessam a ninguém.