Em uma época de minha vida fui alfabetizadora de adultos. Era feliz com este trabalho. O meu pagamento era a alegria dos que começavam a desenhar as letras e, depois, iam conseguindo juntá-las, assinar o próprio nome (identidade!), entender significados, ler um rótulo no supermercado e descobrir por si para onde ia aquele ônibus…
Pois era final de ano letivo e debatíamos sobre o Natal, como cada um percebia e vivenciava essa data especial para o Cristianismo. Vieram à tona as falas de proximidade com a família, do significado dos presentes ofertados pelos Reis Magos e todo o simbolismo da ocasião.
Propus então, que entre os presentes de Natal que dariam aos seus familiares, escrevessem uma frase curta para os filhos. Conhecer a letra do pai ou da mãe seria um belo presente para cada filho.
De repente, um dos alunos (à época com 65 anos e viúvo) conta que estava afastado de sua única filha após uma discussão familiar. E lá se iam mais de 20 anos. Com lágrimas nos olhos, disse que gostaria de vê-la. Sabia que estava casada e que tinha uma filha, pois uma sobrinha lhe contara.
Ninguém fez comentários sobre a situação. Todos ficaram consternados com o sentimento de tristeza exposto pelo colega. Naquele momento, não parecia adequado especular as razões para o distanciamento entre pai e filha. Tivemos a certeza de que o tempo havia reduzido a mágoa do pai. Talvez até mesmo estivesse transformada em culpa.
A proposta de enviar um bilhete à filha lhe causou dúvidas, medo e ansiedade. Um simples papel faria com que ela aceitasse falar com ele? O que deveria escrever? Afinal, ainda não tinha a fluência da escrita. Aquela era uma decisão difícil. Preferiu não fazer a atividade em aula. Disse que iria pensar em casa. Nos despedimos e desejamos todas as melhores coisas do mundo e prometemos nos encontrar em março do ano seguinte, ao retomar as aulas.
Eis que em um dia de janeiro, passadas as festas, recebo um telefonema dele. Disse que precisava me contar uma coisa. Vencera o medo e decidira escrever a mensagem de Natal para a filha. Pediu ajuda para a sobrinha que sabia o endereço para onde enviar. Chorando, emocionado, contou-me que a filha, ao receber o cartão, o convidou para passar o dia de Natal com sua família. Foi até ela. Conheceu o genro, a neta e, para surpresa, descobriu que tinha uma bisneta recém-nascida.
Perguntei o que havia escrito no cartão. Me respondeu que era apenas um “Bom Natal, filha!”, mais o número do seu telefone. Pode até parecer clichê, mas, às vezes, um simples gesto pode mudar o rumo da nossa vida.
Feliz Natal pra todo mundo!