Deputados se movimentam para passar uma borracha em crimes como lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Para explicar melhor, o Seguinte: reproduz a reportagem do El País
A discussão sobre a anistia de todos os casos de caixa 2 eleitoral conseguiu unir lideranças partidárias de quase todas as legendas na Câmara. Com exceção de PSOL e Rede, a maioria dos parlamentares quer subverter o relatório final do pacote anti-corrupção aprovado na noite de quarta-feira. O texto previa a tipificação do crime de caixa 2 eleitoral e a punição de partidos e políticos envolvidos, além de enquadrar também a “prática de lavagem de dinheiro feita com finalidades políticas” — ponto central nas investigações da Operação Lava Jato. No entanto a questão é complexa: de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, uma nova lei não pode ser aplicada de forma retroativa para prejudicar os envolvidos. Ou seja, um partido que recebeu dinheiro para a campanha deste ano e não declarou à Justiça não poderá ser processado por prática de caixa 2, o que livraria muitos políticos de ter de enfrentar a Justiça.
Especialistas afirmam que tudo vai depender do conteúdo final do texto que será votado no plenário na próxima terça-feira. Mas eles apontam que a ideia é passar uma borracha em todos os crimes de colarinho branco cometidos no passado. Ventila-se no Congresso a possibilidade de deputados apresentarem um texto substitutivo com um escopo ampliado daquilo que será considerado caixa 2. Isso porque a expressão engloba uma série de práticas criminosas. Em sua forma mais conhecida caixa 2 é dinheiro de campanha não declarado. Mas para além da simples contabilidade paralela de campanha, o pagamento de propinas para um partido ou político como contrapartida por contratos obtidos também pode ser entendido como caixa 2. Parte dos processos da Lava Jato foca justamente nesta segunda modalidade de crime: os procuradores acreditam que empreiteiras fizeram doações irregulares para legendas como contrapartida por contratos. O receio dos procuradores é que os deputados queiram incluir na definição de caixa 2 outros crimes.
O juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância do Paraná, divulgou nota afirmando que “toda anistia é questionável, pois estimula o desprezo à lei e gera desconfiança”. Para o magistrado, caso se confirme a manobra dos parlamentares o futuro da investigação pode estar em jogo.
– Anistiar condutas de corrupção e de lavagem impactaria não só as investigações e os processos já julgados no âmbito da Operação Lava Jato, mas a integridade e a credibilidade, interna e externa, do Estado de Direito e da democracia brasileira – afirmou.
Em meio à polêmica envolvendo a possível anistia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a tese de que “não tem anistia para um crime que não existe”. Para ele, o que está em discussão é "a tipificação, qual a redação da tipificação? Isso o plenário vai decidir”.
O MPF discorda.
– Na verdade, o discurso de anistia se refere aos outros crimes que estariam por trás do caixa 2: lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de dividas. E essa discussão viria nesse sentido. Porque se você cria um crime hoje de caixa 2 esse crime não pode retroagir, é só daqui para frente – disse nesta quinta-feira o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Caso os deputados ampliem o escopo de caixa 2 para esses outros crimes, políticos que cometeram irregularidades durante as campanhas de 2016 e 2014, por exemplo, não poderão ser punidos.
– O fato de criminalizar o caixa 2 a partir de agora não quer dizer que anteriormente não fosse crime em outros tipos penais, como falsidade ideológica para fins eleitorais – afirma o especialista em direito eleitoral Arthur Rollo.
Para ele, “quem quer anistia está olhando para o próprio umbigo, pois sabe que embora o tipo penal de caixa 2 não possa ser processado esses outros podem”. O advogado afirma que “não estão anistiando o caixa 2, estão anistiando o passado inteiro”.
Atualmente a prática de caixa 2 é considerada uma forma do falsidade ideológica, passível de punição com até cinco anos de prisão. Com a tipificação, a pena é de 2 a 5 anos de prisão. No entanto raramente políticos são punidos pela prática. Um caso emblemático foi o julgamento do escândalo do mensalão em 2012, quando a defesa de muitos dos réus afirmou que o caso se tratava “apenas” de caixa 2 eleitoral. À época a ministra do Supremo Tribunal Federal disse achar “estranho e muito grave que alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa dois’ na tribuna do tribunal supremo do país como se fosse algo banal, tranquilo, que se afirma com singeleza”.