3° Neurônio | música

CARTA A LEONARD COHEN: Essa é sim uma maneira de dizer adeus | r. Fernandez

Leonard Cohen faleceu aos 82 anos, menos de um mês após lançar seu último álbum

O 3N convidou r. Fernandez, um artista gaúcho com composições muito inspiradas em Leonard Cohen, para lembrar a morte do mestre, dia 11

 

Porto Nigro, 12 de novembro de 2016

 

Salve, meu caro!

Não sabes o quanto me saíram difíceis estas linhas. Não pelo tema em si, mas por aquilo que aprendi contigo, que nessa coisa de ambivalência de amor e ódio com a escrita, o caminho é um só: trabalho. Trabalho árduo. Nem que para isso se tenha de bater com a cabeça no chão algumas vezes (bater literalmente! Acredita que tem gente pensando que “Hallelujah” é simples fruto da inspiração de um gênio? Um sopro das musas?).

 

 

Pois então… sei lá eu quantas vezes já reescrevi esse mesmo texto  que me pediram sobre tua passagem. Mas assim como o Lorca arruinou tua vida, tu também tem alguma parcela de culpa em arruinar a minha. E que fique claro que esta é uma carta bem pessoal menos pela – futura – falta de dados biográficos de fácil alcance e que pouco te interessariam, do que por intenção minha.

 

 

Nem desejo aqui apresentar tua obra a quem ainda a desconhece ou realizar um compêndio aos mais iniciados. É uma mera nota de agradecimento pelo exemplo de poeta que foste, desses que ensinaram como trabalhar a palavra, como ter coragem pra se reinventar e de como aproveitar a vida sem temer a morte (e, sim, passar uns tempos numa ilha grega ainda está nos meus planos).

Antes que me esqueça, quinta passada me ocorreu uma dessas coincidências da vida. Sentado ao piano durante uma passagem de som, decidi tocar algo que não estava no repertório da banda naquela noite. Só bem mais tarde, em casa, recebo as notícias da tua ida. A música que tocamos na tal passagem de som era “Avalanche”, essa poesia que a cada dia tem um significado novo pra mim. Agora vai ficar na minha memória como “a música aquela que deveria ter tocado prum bando de gente que não se importa com música”.

Que engraçado, não?

 

 

Ah! Queria te agradecer também por mostrar que tua arte é tua! E que não é nenhum problema deixar o violão de lado e entupir as canções de tecladinhos e batidas pré-programadas (algo inadmissível a muitos da minha geração). Assim como às vezes é necessário, mesmo sendo um escritor de sucesso de vendas (e que mal consegue pagar o aluguel), transpor sua poesia para o violão (algo que agora, bem sabemos, pode até render um Nobel de literatura. Mas isso pouco importa no momento, certo?). E fico grato também por tu nunca mais ter gravado nada com o Phil Spector. De fato, ele não entendeu a proposta do teu texto.

 

 

Sim, digo “do teu texto” e não “da tua música” por sempre te enxergo como um poeta que remonta à tradição oral pra espalhar seus versos. E talvez seja por isso que tenha quem te ache chato. Ouvir um disco teu não é sair para a rotina com a mesma paisagem monótona pela janela. Ouvir um disco teu é sentar ao redor de uma fogueira e assistir às palavras crepitarem no fogo com suas fagulhas a subirem aos céus.

Sinceramente,

r. Fernandez.

 

r. Fernandez é dono de casa e nas horas vagas fala de plantas e pássaros para sua filha. Também costuma bater com a cabeça no chão ao compor alguns temas da sua banda, a r. fernandez & as danças de salão. Conheça-o

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade