Um belo dia numa fazenda, uma parelha de bois se recusou a puxar o arado.
Tinham uma reivindicação a fazer: negociar as horas de trabalho. Queriam uma redução da jornada diária.
Argumentavam que trabalhavam demais, que começavam antes do sol nascer e largavam noite alta e coisa e tal.
O fazendeiro, a princípio, tentou endurecer. Ameaçou mandá-los embora e trocá-los por uma parelha nova, etc, mas não deu certo – os bois não cederam.
A ideia tinha se espalhado rapidamente e toda a boiada da fazenda fechou questão: ou se reduzia a jornada de trabalho ou ninguém puxava mais o arado.
Depois de muitos encontros e assembleias, chegou-se a um acordo: 10 horas de trabalho por dia, com uma hora para a ração e descanso aos domingos.
Feitas as pazes, todos voltaram ao trabalho.
Duas semanas depois, nova paralisação. Desta vez pediam férias anuais de um mês e folga também aos sábados, além dos domingos.
Mais uma vez o fazendeiro tentou endurecer, mas por fim cedeu. Mas com uma condição: nada de folga também aos sábados, só férias anuais e a folga aos domingos.
O líder do movimento exultava e repetia a toda hora: “boiada unida, jamais será vencida”.
Os bois mais velhos, mais cautelosos, advertiam: “Cuidado boiada nova, os tempos são outros, as coisas estão difíceis, o País não cresce há anos, a globalização está aí, o desemprego está alto e não para de crescer…”
Mas o jovem líder não dava ouvido e já preparava nova paralisação. Que não demorou a acontecer.
Um mês depois, a boiada cruzou os braços outra vez. Pedia nova redução da jornada de 10 para 8 horas diárias, descanso aos sábados e domingos e divisão das tarefas, isto é, que quem puxasse o arado não puxasse a carreta e quem puxasse a carreta não tocaria o moinho e assim por diante.
E mais: décimo terceiro salário, participação nos lucros da lavoura, cogestão na administração da fazenda e reforma agrária, já.
O fazendeiro cansado com tantas reivindicações, não teve dúvida: vendeu a boiada pro matadouro e comprou um trator.
Moral:
Seja onde for, ninguém está livre de ser atropelado por um trator.
João Carlos Pacheco é publicitário e humorista, vive em Porto Alegre. Participou da antologia de humor QI 14, de 1975. Para nosso prazer e do leitor, o Seguinte: passa a publicar uma série de suas fábulas, inéditas.