Impressões sobre Ex Lux. E agora o segundo álbum da Ex pode ser baixado gratuitamente
Entre tantos ontens | vinte anos passaram. A impressão que eu tenho ao ouvir Ex Lux é a de que esses vinte anos foram condensados em uma única obra hermética e brilhantemente amarrada, inundando os sentidos com uma ampla gama de sensações e cores que só uma banda madura como a Ex poderia propiciar aos seus ouvintes.
É o trabalho de uma banda em seu auge, onde claramente cada acorde, cada palavra e cada entonação transmite exatamente a mensagem a que se propõe – sem que haja, no entanto, uma figura ou um tema central.
Parte do meu aprendizado convivendo com a banda é estabelecer essa difícil conexão sem perder a generosidade da troca, mas também mantendo a essência original de seu núcleo duro.
O álbum abre com o petardo Amém, que estabelece um padrão de fraseados que irá se repetir durante o disco, com o mantra A feiura é lei lembrando constantemente do horror e da delícia que é viver em um trem desgovernado rumo ao abismo.
No entanto, estetas que são, há aquele sentimento quase zen-budista de abraçar o caos e torná-lo não apenas suportável, mas também extrair toda a beleza que há. Criar espaços de conforto no olho do furacão.
A música captura essa que é para mim a essência da banda, a compreensão holística da existência humana como um troço terrível e delicioso ao mesmo tempo, abraçando a vida em sua plenitude de dor e de gozo.
E sabendo que existe mais, muito mais.
O disco segue com Mormaço, uma canção que foi crescendo gradativamente em mim e que hoje é uma das composições chave para a compreensão do Ex Lux.
A cadência repetitiva, quase mecânica, sobre uma letra que evoca uma nostalgia daquilo que eu nem vivi. Ecos da Deus e o Diabo, aquela sensação de que “o sol chegou mais uma vez primeiro”. Aquele horroroso primeiro raio de sol da manhã, o que me leva a voluntariamente a querer fechar as janelas e negar a vida como ela se apresenta.
Foto de Laura Cattani-Ío
Isso é tudo que existe?
No entanto, Graça, a faixa seguinte, revela a resiliência e o desejo transformador da banda, o eterno embate entre luz e sombras, algo que já está conceitualmente presente na capa do disco e na brilhante estratégia de lançar as músicas com uma cor correspondente.
E se percebe ainda como tudo foi intuitivamente planejado, a começar pelo timing absurdo do lançamento das músicas, o que só corrobora minha tese de que as canções chegam em nossas vidas no momento exato em que elas deveriam chegar, quase como entidades espirituais, dotadas de vida própria.
Verdades que se revelam.
Segundo Andar e Bi trabalham essa dualidade, a começar pelas sonoridades, ora esperançosas, ora absolutamente dissonantes.
Saliento como o trabalho instrumental reflete conceitualmente a alma do disco e a mensagem que se quer passar.
Trata-se de uma banda no sentido real da palavra, onde todos estão emocionalmente envolvidos em um nível que beira à psicomagia.
Agda, com referências às ancestralidades, segue nessa toada de reconhecimento e aceitação da própria dor e da respectiva cura, dessa vez sintetizadas no corpo de um animal espiritual.
Só ouvindo para entender.
Por outro lado, Casa da Árvore não tem racionalidade alguma. É aquela canção que sempre me leva às lágrimas especialmente pela lembrança de que “nada parece melhor agora do que estar aqui”.
Estar REALMENTE presente, enfim.
É curioso como o disco percorre alguns lugares bastante incômodos para chegar a esse local da infância, inocência perdida, retorno a si mesmo. É uma mensagem bastante poderosa que é formalmente encerrada em Ontem, um acerto de contas com o passado e, acima de tudo, uma visão bastante generosa de tudo que se viveu durante esse tempo e como, de uma forma muito estranha, tudo valeu muitíssimo a pena.
Um disco de cura espiritual, uma jornada profunda de autoconhecimento de um grupo de pessoas que está em um processo de expurgo e de restauração e que sabe que, mesmo com todo o horror, é bom estar aqui.
Carlos Zanettini é músico e compositor. Conheça-o
Foto de Laura Cattani-Ío
TUDO DA EX E ALGO +
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SERVIÇO
Banda:
Ex, artistas em busca de nada
A Ex hoje é Guilherme Klamt, Thiane Nunes, Rafael Martinelli, Cristiano Sertório, Rodrigo Souto e Mádger Barte.
Álbum:
Ex Lux é o segundo álbum da Ex, que estreou em 2007 com Ainda. Idealizada pelos ex-Deus e o Diabo Guilherme Klamt, Thiane Nunes e Guilherme Klamt, também apresenta neste novo trabalho Cristiano Sertório, Rodrigo Souto, Julio Leal, Stefano Fell, Jakelina Soares, Thomas Dreher e Alexandre AG
Compilação:
Reúne as sete músicas lançadas na web, em diferentes cores, durante 2016, e uma composição inédita
Produção:
Thomas Dreher, Guilherme Klamt, Thiane Nunes e Rafael Martinelli
Gravação: Thomas Dreher
Capa: Filipe Filippo
Lançamento: selo Lezma Records
Contatos: whats/cel, ligue 51 9278 3165