Como é possível reconhecer o momento em que você é capaz de sacrificar a única vida que tem?
Ouvi essa pergunta em documentário. Uma entrevistada relata que era bebê de dois meses em um campo de concentração e sua mãe (judia) pediu a um soldado nazista que salvasse a filha. O homem pegou a menina entre as grades da cela e a colocou escondida em seu casaco. Levou a criança para ser criada por seus pais como se filha deles fosse até a guerra terminar, quando a mãe foi libertada.
Ela não dá mais detalhes, além do nome do soldado. O que impacta é a questão do risco que o soldado alemão correu ao salvar uma judia. Pergunto-me se este gesto diante dos horrores do nazismo foi risco calculado ou um irresistível impulso humanitário.
Assim como a sobrevivente dos campos de concentração não se detém em buscar os porquês do gesto de seu salvador, também eu fico com a pergunta de partida: como é possível reconhecer o momento em que sacrificaria minha vida por outra pessoa? E se eu não estivesse disposta a fazer isso seria a pior das criaturas na face da terra? Difícil encontrar as respostas.
Ao ter consciência de que minha existência é valiosa ao ponto de sacrificá-la em benefício de outra pessoa, seria eu capaz de subtrair a vida de alguém? Estranha essa dualidade humana, a exemplo do soldado alemão, que salva uma criança e permite que milhares de outras pessoas sejam vítimas dos horrores nos campos de concentração, humanos matam outros humanos e ainda querem convencer a si, e aos outros de sua espécie, de que há justificativa para tanto.
Convivemos com a violência ao longo de toda a história da humanidade. Ela aterroriza quando chega e bate na porta da nossa casa ou nas das casas das pessoas que amamos. É quando tomamos a decisão de nos omitir ou de agir.
Não, o nosso tempo, hoje, não é um tempo de resignação. É tempo das filhas da esperança como disse Santo Agostinho:
"A esperança tem duas filhas lindas:
A indignação e a coragem
A indignação nos ensina
a não aceitar as coisas como estão;
a coragem, a mudá-las!"